Sem alarde, nesta sexta-feira, o juiz Marcone J.

Fraga publicou decisão favorável ao grupo Rio Ave, derrubando a liminar que impedia a demolição definitiva do edifício Caiçara.

A decisão ocorreu na primeira instância, sem necessidade de ser avaliada pelo TJPE.

O empresário Alberto Ferreira da Costa, do grupo Rio Ave, disse ao Blog de Jamildo, O construtor informou ainda que o grupo não tem pressa em fazer cumprir a decisão judicial e que o assunto será discutido nesta semana que entra. “A decisão sai no meio da semana, mas a gente só soube nesta sexta-feira.

Estou fora do Recife e foi uma surpresa agradável.

Foi uma decisão linda.

Foi ótimo.

Nós nunca desacreditamos na Justiça”, observou, neste sábado.

Tombamento de fachada.

Demolindo o mito do edifício Caiçara Na sentença, o juiz Marcone J.

Fraga diz o óbvio, mas de forma irretocável.

Veja a decisção judicial na integra abaixo RODRIGO JOSÉ CANTARELLI RODRIGUES e Outros, todos qualificados na petição inicial, vieram a este Juízo, por advogadas do CPDH, promover a presente ação popular com pedido de liminar em face de MUNICÍPIO DO RECIFE, PREFEITO DA CIDADE DO RECIFE, SECRETÁRIO DE MOBILIDADE E CONTROLE URBANO DO MUNICÍPIO, RIO AVE EMPREENDIMENTOS LTDA., RIO AVE COMERCIAL LTDA., e RIO AVE COMÉRCIO E INDÚSTRIA LTDA., também qualificados (fls. 2/34).

Alegam, em síntese, que os réus vão contra o patrimônio histórico-cultural e a ordem urbanística, ao quererem demolir o prédio de n. 888, da Av.

Boa viagem, nesta cidade, denominado de Edf.

Caiçara.

Pedem liminar para que os demandados suspendam os alvarás que indica, bem como a licença prévia para construção no terreno desse imóvel.

Junta os documentos de fls. 36/259.

Em decisão de fls. 260, foi deferido o pedido de liminar determinando que os demandados se abstivessem de demolir o prédio do Edf.

Caiçara, com a ressalva de que esta decisão seria reapreciada após as respostas dos réus.

Contestação das empresas do Grupo Rio Ave às fls. 268/294, onde levantam as preliminares de não cabimento de ação popular e impossibilidade jurídica do pedido.

No mérito, pedem a improcedência do pedido em razão de não ser o imóvel passível de caracterizar patrimônio histórico-cultural.

Juntam os documentos de fls. 295/512.

Informação de interposição de Agravo de Instrumento às fls. 513/533.

Ofício do Desembargador Relator mantendo a decisão agravada (fls. 534/536).

Informações ao Relator às fls. 538, onde se reafirma a reapreciação da liminar concedida, após a resposta do primeiro demandado.

Contestação do Município do Recife às fls. 539/547, onde, em suma, diz que o imóvel não foi considerado digno de preservação, tanto na esfera estadual quanto municipal, por faltar-lhe relevância histórica, cultural ou arquitetônica.

Relatei.

Decido.

A Medida Liminar é um instituto jurídico que deriva do poder geral de cautela do Juiz, e está estampado no art. 798 do Código de processo civil, tendo como finalidade principal a garantia de que a sentença final será cumprida. É medida de cunho emergencial, que objetiva a eficácia da decisão definitiva.

Para a sua concessão, devem estar presentes os requisitos do perigo na demora do provimento judicial, e a aparência do bom direito de quem a requer.

Não se pode ter na medida uma atitude de arbítrio do julgador, mormente considerando a sua concessão sem a ouvida da parte contrária, como neste caso. É impositivo que, após a triangularização processual, com a resposta da parte demandada, o juiz revisite o fundamento da decisão concessiva e, se for o caso, a revogue.

Aliás, assim foi sinalizado nestes autos quanto a reapreciação (fls. 260 e 558).

No caso vertente não vejo presente o fumus bonis iure necessário a embasar a medida liminar concedida.

Ao mesmo tempo, observo que existe um perigo para os três últimos réus, caso a decisão final deste processo se prolongue no tempo.

De acordo com o art. 216 da CF/88, o patrimônio cultural é composto pelo conjunto dos bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira.

Entre os bens que compõem o patrimônio cultural brasileiro, destacam-se: a) as formas de expressão; b) os modos de criar, fazer e viver; c) as criações científicas, artísticas e tecnológicas; d) as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; e) os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.

O Decreto-Lei nº 25/1937, organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional, estabelecendo ser este o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico.

Ao nível municipal, trata do assunto a Lei n. 16.284/97, que em seu art. 2º. define os Imóveis Especiais de Preservação - IEP - como sendo “exemplares isolados, de arquiteturas significativa para o patrimônio histórico, artístico e/ou cultural da cidade do Recife, cuja proteção é dever do Município e da comunidade, nos termos da Constituição Federal e da Lei Orgânica Municipal”.

Pelos parâmetros ditados pelas normas acima, tenho que o patrimônio histórico-cultural de um povo deve ser pautado pelos referenciais desse mesmo povo em dada época; pela percepção dos bens culturais nas dimensões testemunhais do dia-a-dia e das realizações interiores que não se medem, porque dizem respeito aos sentidos.

O que fica como memória cultural de uma comunidade, não é simplesmente o conjunto de monumentos, edifícios ou documentos que existem ou existiram, mas as forças que atuaram em cada momento histórico de forma a impregnar o povo pelas impressões desses bens públicos. É dizer, o que vale como relevância histórica é a importância desses bens na vida do povo.

Neste sentido se posiciona a doutrina e jurisprudências de nosso País: O que concede a determinado bem a qualidade de integrante do patrimônio cultural é o seu valor, a sua importância diferenciada para o corpo social.

Em outras palavras, a qualidade cultural do bem é aferida de seu especial significado para o grupamento social, da sua natureza de marco, de referência, de orgulho mesmo para a população.1 Preservar o patrimônio cultural de uma cidade é manter as marcas de sua história ao longo do tempo e, assim, assegurar a possibilidade da construção dinâmica da identidade e da diversidade cultural daquela comunidade.

Pergunta-se: Em que o Edf.

Caiçara marcou a vida da cidade do Recife ou mesmo do Bairro do Pina?

Em nada.

Até esse estardalhaço midiático sobre este caso do Edf.

Caiçara, eu mesmo, que sou morador do bairro, não conhecia esse prédio e, garanto que, como eu, a maioria da população do Recife também não conhecia.

Trata-se apenas de um prédio velho, e não de um prédio histórico.

Não há que se confundir velharia com historicidade.

Daí que não se vê qual a importância arquitetônica do Edf.

Caiçara para o patrimônio histórico, artístico e/ou cultural da cidade do Recife, não há nada ali que “represente um tempo que deva, em outro tempo, permanecer (…)” (fls. 554).

Tanto é assim que o Órgão competente para opinar sobre a aprovação de um imóvel como sendo IEP, nos termos do art. 110, da Lei Municipal n. 16.176/96 (Lei de Uso e Ocupação do Solo do Recife), o Conselho de Desenvolvimento Urbano - CDU - foi contrário a classificação do Edf.

Caiçara como Imóvel Especial de Preservação, conforme se vê dos documentos de fls. 558/569, trazidos aos autos pelo Município do Recife.

Também o Órgão competente para definição de tombamento de imóvel pelo Estado de Pernambuco, Conselho Estadual de Cultura, foi de opinião de que o prédio objeto desta ação não fosse tombado, e nesse particular vale o parecer dos Arquitetos Marcos Andrade e Paulo Raposo de Andrade, transcrito no documento de fls. 553, que diz: Em sendo a arquitetura a expressão construtiva de um determinado tempo e um determinado lugar, é evidente que o edifício Caiçara carece de qualidade arquitetônica….Nunca foi representativo nem da arquitetura tradicional ou vernacular nem da arquitetura moderna que se fazia no Brasil e no Recife na época de sua construção.

São essas as origens meramente comerciais do pastiche que constitui o edifício Caiçara.

A consciência do seu (des)valor permitirá a coragem necessária à renovação do organismo vivo que é a cidade".

No rastro desse parecer dos técnicos, tenho que esse prédio destoa da paisagem consolidada na avenida Boa Viagem, não existindo nele qualquer relevância para a cultura ou história da cidade de Recife, que justifique a sua transformação num IEP.

Reitero que o tombamento do prédio foi negado pelo Estado de Pernambuco, e a sua classificação como Imóvel Especial de Preservação, por sua vez, foi negada pelo Município do Recife, através do Órgão competente, o CDU.

Só isso derruba a aspiração dos autores, fazendo desaparecer para eles qualquer resquício de um bom direito, de modo que se deve fulminar a liminar concedida.

Devo observar que estes Órgãos consultivos - CDU e Conselho Estadual de Cultura - são constituídos por membros representativos da sociedade em seus vários segmentos, e daí vem suas legitimações para opinarem sobre essa matéria. É relevante, também, mencionar que houve um pedido de tombamento desse mesmo prédio através de ação civil pública manejada pelo Ministério Público Estadual, a qual foi julgada improcedente por substanciosa sentença transitada em julgado, prolatada pelo eminente Juiz da 20ª.

Vara Civil da Capital (fls. 469/476), que fundamenta a sua decisão no argumento de que o tombamento do prédio foi negado pelo Estado e o Município, da mesma forma, negou o “tombamento”, emitindo licença de demolição, e que “o Poder discricionário de tombar ou não determinado bem é atribuição do Executivo, cabendo ao Judiciário apenas averiguar, se for o caso, violação a alguma garantia constitucional, ou qualquer ilegalidade…” (fls. 476). É patente a ausência do bom direito a socorrer o pleito liminar dos autores populares, de sorte que deve ser revogada a medida deferida initio litis.

Por outro lado, tendo os três últimos demandados obtido as necessárias autorizações (licenças) dos Órgãos competentes para demolição e construção no terreno onde se encontra o Edf.

Caiçara, é injustificado que se lhes proíba tais atos.

Estes são empresas sérias do ramo da construção civil neste Estado, que por certo investiram muito no sentido de construir mais um novo empreendimento com sua marca nesta cidade, e quanto mais tempo se verem impossibilitados de iniciarem a obra, mais prejuízos terão, isso é óbvio.

Eis o perigo na demora inverso, dado o intenso dano suportado pelos empreendedores, que pretendem o início da obra desde o ano de 2010.

Ante o exposto, e com base nos preceitos legais acima mencionados, revogo a decisão de fls. 260, devolvendo a autoridade das licenças concedidas para a demolição do prédio existente no n. 888, da Av.

Boa Viagem, Edf.

Caiçara, possibilitando que em seu lugar seja construído outro edifício, de acordo com as autorizações concedidas pelos Órgãos competentes.

Intimem-se.

Recife, 11 de junho de 2014 juiz Marcone J.

Fraga