Caranguejos não sobem de elevador Lina Rosa Gomes Vieira, especial para o Blog de Jamildo Se eu tivesse que definir a minha cidade em uma palavra, seria caquinho.
Feito aquela antiga louça de família que se quebra e a gente fica tentando colar os pedaços.
Por amor à história.
Pelo direito à memória.
Pela qualidade das coisas que não sobem de elevador.
O Caiçara está um caquinho.
O Estelita está um caquinho.
E só permanecem porque o silêncio também foi quebrado.
Primeiro por estudantes, professores e artistas.
Depois por quem já foi estudante ou gostaria de ter sido.
Milhares de pessoas ocuparam armazéns antigos como quem ocupa um lugar na história. É histórico ver tanta gente junta em torno de questões fundamentais sobre o futuro urbanístico da nossa cidade.
O Ocupe Estelita é também o ocupe sua cabeça para pensar no que é de fato desenvolvimento urbano.
Visitei o acampamento.
Você visitou?
Encontrei estudantes da Universidade Rural ocupados em fazer espirais de hortas orgânicas em solo maltratado e pedregoso.
Dispostos e preparados para discutir sobre agricultura sustentável, espaços verdes e alimentação saudável.
Encontrei arquitetos e paisagistas ocupados em desenhar propostas alternativas para o imenso terreno em questão.
Encontrei jovens ocupados em construir casas em árvores. (Compreende o que isso quer dizer?) Encontrei advogados ocupados em discutir saídas que preservem os direitos urbanos.
Encontrei artistas ocupados em manifestar, através da música e da poesia, sua resistência aos godzillas de concreto.
Encontrei o orgulho de ser recifense e a força para acreditar que ainda existe Recife no Recife.
Há quem diga que o movimento começou tarde.
Verdade.
Três ou quatro décadas mais tarde.
Se tivesse começado antes, talvez restasse mais mangue, mais mata de caju, mais mata atlântica.
Mais coruja caburé – que não sobe de elevador.
Mais caranguejo – que não sobe de elevador.
Mais tatu-bola – que não sobe de elevador.
Aliás, bem que ele merecia um destino mais digno que mascote de copa do mundo.
Ou é padrão Fifa animais ameaçados de extinção?
Lembro de Nietzsche quando abraçou um cavalo por não suportar ver o animal arrastando uma carroça pesada demais. É, tatuzinho.
Está pesado demais.
A natureza do Recife é horizontal.
Os rios Capibaribe e Beberibe são horizontais.
A praia é horizontal.
O Oceano Atlântico é horizontal.
Somos uma cidade plana e abaixo do nível do mar.
A verticalização agressiva vai contra nossa natureza.
Vigésimo andar.
Trigésimo andar.
Quadragésimo andar.
Isso não é andar.
As coisas não estão andando.
A contradição de um trânsito parado serve de parâmetro.
A distância não é mais medida pela geografia, mas pelo deus Cronos.
Viajei do Recife para Salvador e cheguei primeiro que meu filho, que levou duas horas do Aeroporto dos Guararapes à Jaqueira.
Dependendo da hora, São Paulo é mais perto do Recife que Jaboatão.
Brasília é mais perto do Recife que Olinda.
Belo Horizonte é mais perto do Recife que Camaragibe.
Se claustrofobia também compreende o medo de elevador, como devo chamar o medo de milhares de elevadores em milhares de edifícios com milhares de andares?
Não quero o Novo Recife.
Quero o Recife.
Com todos os caquinhos que ainda sobrarem dos nossos 500 anos de história.
Lina Rosa Gomes Vieira é diretora de criação.
PS do Blog: Não sei é o objetivo da publicitária, mas parece ser uma resposta ao artigo do comerciante recifense Biu Dias, que fez muito sucesso por aqui.
Veja abaixo Minha primeira e última vez no ocupe estelita