Em Pernambuco, 3.530 crianças entre 5 e 9 anos trabalham, segundo dados do PNAD.
Foto: Alexandre Lopes/cortesia Por Marcela Balbino, repórter do Blog Ao contrário do atacante Neymar, artilheiro da seleção brasileira que defenderá o hexacampeonato pelo País com sua cobiçada camisa 10, pelas ruas do Grande Recife, crianças também vestem o uniforme canarinho do jogador, mas o jogo em campo é bem diferente.
Para os nossos Neymares, não há campos verdes com gramas aparadas, tampouco holofotes e salários milionários.
A realidade é bem menos generosa nos vagões cheios dos metrôs, que, ironicamente, levam até o estádio da Arena Pernambuco, em São Lourenço da Mata.
No jogo, não há vitórias.
A derrota se faz presente nos sacos gigantes de pipoca e amendoim ou nas inocentes balas, vendidas por R$ 1.
Os famosos “passatempos da viagem” trazem segundos de leveza para os compradores, em meio ao calor, à superlotação e à espera pela condução.
Mas são também a parcela mais amarga para a sociedade, que perde, pouco a pouco, o jogo contra o trabalho infantil – tão presente nas ruas da cidade-sede.
Dormindo em um metrô de Camaragibe, o garoto de 10 anos perdia a partida contra o sono.
Os bancos da composição serviam de cama - a pausa para o segundo tempo.
Para ele, não havia ingresso vip, cadeira marcada ou acesso especial para acompanhar os jogos da seleção.
O máximo que conseguia era se esgueirar por entre os passageiros, passar invisível pelos funcionários do metrô e suar a camisa para voltar para casa com o fardo de pipocas vazio.
O planejamento tático era acompanhar o andar do metrô ao longo das estações.
Camaragibe-Coqueiral e Coqueiral-Camaragibe.
Foto: Alexandre Lopes/cortesia Na saída do metrô, o trabalho infantil escalara outro jogador.
O menino magro se equilibrava com destreza para caminhar com os amendoins.
Com voz potente, que nem gente grande, ele gritava: tem cozido, assado, com ou sem casca.
Com a maturidade e a habilidade de um adulto, ele seguia, se confundindo com os passageiros, apressados para embarcar no metrô.
O trabalho das crianças é deletério sob vários aspectos, a começar pela privação do tempo livre da infância, importante para o desenvolvimento.
Além disso, há a interferência no aprendizado escolar, o aumento dos riscos de problemas de saúde e a redução das chances de um emprego melhor na vida adulta. É o jogo do perde-perde.
Onde perde-se Neymar, perde-se a sociedade, perde-se o Recife e o Brasil.
A taça erguida, a peso de ouro, é a da vergonha.
De acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) , compilados pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), Pernambuco ocupa a 22ª posição no ranking nacional do trabalho infantil.
No último levantamento, produzido em 2012, eram 137.593 crianças entre 5 e 17 anos longe das escolas e em situação de trabalho informal.
São quase 6 mil times de futebol, colocando na conta os reservas, perdidos.
Outro escalado para vergonhosa seleção do trabalho infantil.
Foto: Alexandre Lopes/cortesia O rastro deixado pela passagem da Copa do Mundo pelo Brasil ainda é incerto.
Como boa torcedora, fica o otimismo, o hexa vindo ou não.
Mas, fora dos campos, a vida desses meninos e meninas segue invisível e o jogo perdido antes de o juiz dar o primeiro apito.
A nossa seleção de Neymares segue desfalcada, sem espaço para recuperação.
Enquanto os brasileiros alimentam o sonho da vitória, eles só querem esvaziar o saco de pipoca, vender as balas, os amendoins e sonhar com o dia em que poderão entrar em campo para ganhar, com reais chances de vitória.
O dia em que a única preocupação seja a de ser criança.
O dia em que o Brasil real, este em que vivemos, com todas as suas fragilidades e carências, consiga levantar a taça da erradicação do trabalho infantil, pois essa, sim, será um grande legado para o País e uma estrela a ser costurada no peito da seleção formada por 202 milhões de brasileiros. * Este texto não seria possível sem o olhar dedicado e atento do parceiro Alexandre Lopes, que faz das suas viagens diárias entre Camaragibe e Recife um exercício diário de reflexão.
Esticar o olhar para a vida que ninguém vê.
Desnudar a invisibilidade da rotina e jogar luz sobre as mazelas desse fragmento de Brasil.
Obrigada pela ajuda e inspiração.