Por Manuela Dantas Somos mais de 45 milhões de brasileiros, ou melhor, somos exatamente 45. 606.048 milhões de Pessoas com Deficiência, segundo os dados do último Censo do IBGE de 2010, representamos 23,9% da população brasileira, ou seja, compomos, praticamente, 1/4 da população do país e somos completamente INVISÍVEIS.

Talvez porque historicamente houve séculos de exclusão, ausência total de direitos, discriminação, abandono e até eliminação de pessoas com deficiência, como acontecia na Grécia e Roma Antiga, ou talvez por as sociedades não perceberem o seu papel como agente transformador das consciências ao não se darem conta da realidade que está a sua frente, ou seja, que as Pessoas com Deficiência existem e merecem respeito.

Ademais, acostumei-me a observar as expressões de espanto presente nas faces de todos para quem informo o número de pessoas com deficiência no Brasil, aliás, costumo repetir que essa parcela da nossa população há muito tempo deixou de ser minoria, já que quase 50 Milhões de brasileiros é de longe um dos grupos mais representativos do Brasil, mas que, infelizmente, a ausência de acessibilidade das nossas cidades e o preconceito ainda mantém essas pessoas afastadas dos espaços de convívio social e reféns de suas residências.

Recordo-me bem que quando sofri o acidente que me deixou paraplégica pensava que eu seria a única cadeirante de Recife e, no entanto, ao pesquisar sobre o tema, surpreender-me ao descobrir que Pernambuco tinha a quinta maior taxa de pessoas com deficiência do Brasil, inclusive que o Nordeste concentra as cidades com os maiores percentuais de pessoas com deficiência, sendo Recife uma delas.

No mais, a mudança de postura das sociedades com relação à inclusão das pessoas com deficiência e aumento de visibilidade dada a elas tem acontecido de forma muito lenta, mais precisamente, a partir da segunda metade do século XX quando a ONU proclamou o ano de 1981 como o Ano Internacional das Pessoas com Deficiência, o que motivou o crescimento mundial do movimento social das pessoas com deficiência e impulsionou o crescimento de políticas voltadas para inclusão.

No entanto, o Brasil tardiamente acompanhou a tendência mundial de inclusão e legalização dos direitos das Pessoas com Deficiência, o que não impediu de termos hoje uma legislação adequada, com prazos definidos para adequação das condições de acessibilidade, porém sem eficácia prática, pela quase ausência total de fiscalização para garantir a aplicação da Lei 10.098/2000 e do Decreto 5.296/2004, que deveriam garantir as condições de acessibilidade às pessoas com deficiência.

Ocorre que se nos aprofundarmos mais sobre o tema verificamos que em Pernambuco 95, 9 % (SEAD/2010) das Pessoas com Deficiência pertencem às classes C, D e E, tendência essa que está presente em todo o Brasil, identificando-se uma relação de pobreza e Pessoas com Deficiência.

Assim imaginem pessoas que já vivem em condições de vulnerabilidade social, ter adicionado a isso uma condição de deficiência física, ou visual, ou auditiva, ou cognitiva, e ao mesmo tempo não terem acesso às políticas públicas de inclusão, não terem representatividade política, não terem visibilidade social, e por fim a eles sendo negada qualquer condição de cidadania, é no mínimo uma condição de vida desumana.

De modo que eu, mesmo tendo a qualidade de vida totalmente comprometida perante a minha vida antes da lesão medular, quando me decepciono com atitudes, com a política, com a falta de acessibilidade das cidades, com a sociedade, com a falta de conscientização de pessoas ditas “civilizadas” e penso em fraquejar e desistir de lutar por mim e pelas pessoas com deficiência, recordo de uma mãe e de seus dois filhos com deficiência motora, que conheci no Centro de Reabilitação do IMIP, e do esforço dessa senhora para levar, semanalmente, seus filhos utilizando transporte público para o hospital, tendo que esperar ônibus que frequentemente estão com elevadores “quebrados”, lutando para transportar seus filhos pelas calçadas inacessíveis da nossa cidade e tendo que carregar seus filhos nos braços pelas escadas da Estação Recife do Metrô, que permaneceu por 3 meses com elevador quebrado.

No entanto, essa mãe, apesar de enfrentar tantas adversidades diárias, nunca desistiu de lutar por seus filhos e por tentar proporcionar-lhes uma vida mais DIGNA.

Por essa mãe, por seus filhos e por muitos amigos com deficiência que na quinta-feira, 05/06/14, organizaram uma manifestação justa e pacífica na nossa cidade por não suportarem mais tantas negativas, tantos rostos virados, tantas promessas esquecidas, tantos compromissos não cumpridos e o desrespeito cotidiano as Leis que garantem os Direitos das Pessoas com Deficiência, penso melhor e sempre opto por não desistir da luta.

Essa manifestação de Pessoas com Deficiência da quinta passada apesar de não conseguir entregar sua carta de reivindicações ao nosso gestor, mostrou a cidade que as Pessoas com Deficiência existem, que podem ter seus espaços e que vão ocupá-los.

Por fim, falando em visibilidade e em ocupação de espaços merecidos, aguardo ansiosa pela abertura da Copa do Mundo em que o primeiro chute será dado por uma pessoa paraplégica com a utilização do exoesqueleto do Projeto Andar de Novo, comandado pelo Neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis, mais do que um símbolo de inclusão, esse chute representa um salto na ciência e a esperança de maior qualidade de vida para pessoas paraplégicas e tetraplégicas com o advento da substituição da velha e amiga cadeira de rodas por um equipamento que garanta maior independência ao dar novos passos rumo ao futuro, que sonhamos que seja cada vez mais inclusivo.

Por fim, tomo emprestada a sabedoria das palavras de Cora Coralina para insistir na nossa luta por inclusão e acessibilidade: “Desistir… eu já pensei seriamente nisso, mas nunca me levei realmente a sério; é que tem mais chão nos meus olhos do que o cansaço nas minhas pernas, mais esperança nos meus passos, do que tristeza nos meus ombros, mais estrada no meu coração do que medo na minha cabeça.”.