DECISÃO TERMINATIVA Novo Recife Empreendimentos Ltda interpôs Agravo de Instrumento em face da decisão proferida nos autos da Ação de Interdito Proibitório (Proc. nº 0035841-20.2014.8.17.0001) transformada em ação possessória, que resolveu, antes de decidir sobre a medida liminar, conceder vistas dos autos ao Ministério Público (fl. 211) Informa a agravante, em síntese, que o imóvel situado no Cais José Estelita s/n, integrava o acervo patrimonial da Rede Ferroviária Federal S/A, após incorporação ao patrimônio da União, com a extinção daquela, foi levado a leilão, e regularmente adquirido.

Aduz que, na sequência, foi celebrado contrato de compra e venda, devidamente registrado, sendo assim, a legítima titular do domínio útil do imóvel e, portanto, detentora de direito e posse plena.

Sublinha a agravante que além de titular do domínio útil, foi imitida na posse do imóvel, por força de decisão proferida em Ação de Imissão de Posse (Proc. nº 0020003-43.2011.4.05.8300), e tem efetuado pontualmente o pagamento do IPTU referente ao imóvel, sendo assim, inconteste sua posse.

Prossegue alegando que possui autorização expressa da Prefeitura da Cidade do Recife para realizar reformas e demolições no referido imóvel, mas, que em 21/05/2014 foi privada do exercício pleno de seus direitos de propriedade por um grupo indeterminado de pessoas, que ameaçaram invadir o imóvel e nele adentraram para impedir a execução de determinados serviços, restando, assim, configurada a turbação.

A agravante salienta, ainda, que apesar de continuar imitida na posse, está impedida de exercer com plenitude os direitos inerentes ao domínio útil, tendo, inclusive suspendido os serviços que estavam sendo executados, para resguardar a integridade de seus funcionários.

Esclarece que, por tais razões, ajuizou a ação de interdito proibitório, com pedido de medida liminar, para que os ocupantes se abstivessem de turbar a sua posse, todavia, o Magistrado a quo, antes de deferir dita liminar determinou a realização de verificação no local, a qual foi realizada por Oficial de Justiça, restando, assim, devidamente esclarecida a situação de ocupação do imóvel.

Na sequência, preleciona que após a devolução do Mandado de Verificação, o Juiz, equivocadamente, postergou a análise do pedido liminar, até que fosse ouvido o Ministério Público do Estado de PE.

Fundamenta sua pretensão no art. 1210, do CC, 932, 933, 927, 928, todos do CPC, restando devidamente comprovados os requisitos da ação e fazendo jus à obtenção da medida liminar proibitória ou reintegratória, sem oitiva da parte ré, visando proteger seu patrimônio.

Por derradeiro, pleiteia a concessão da antecipação da tutela recursal, nos moldes do art. 527, III, do CPC c/c o art. 273, do CPC, diante da comprovação da verossimilhança das alegações e do fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, para que se determine a expedição do competente mandado de reintegração de posse, determinando a retirada dos invasores da área do imóvel.

No mérito, pugna pelo provimento do recurso.

Pois bem.

Trata-se de Ação de Interdito Proibitório, modalidade de ação judicial que visa repelir algum tipo de ameaça à posse de legítimo possuidor, podendo-se dizer, inclusive, que se classifica como uma forma de defesa indireta, uma medida urgente de que necessitou a agravante, para evitar eventual prejuízo.

In casu, vê-se que o Ilustre Magistrado, ao verificar a ocupação do imóvel por pessoas estranhas e não identificadas, entendeu configurado o esbulho, convertendo a ação em ação possessória, a configurar a necessidade de mandado reintegratório.

Constata-se que foi determinada a expedição de mandado de verificação, no alcance de buscar informações sobre a situação do imóvel e das pessoas (fl. 192).

Após cumprimento da diligência, o Oficial de Justiça atestou que o imóvel encontra-se ocupado por 09 (nove) barracas de camping, 02 (dois) toldos, e aproximadamente 40 (quarenta) pessoas, tendo o acesso se dado após arrombamento do portão (fl. 197).

Restou constatado, ainda, pelo meirinho que não havia liderança nos ocupantes e que no momento da ocupação o imóvel encontrava-se em obras e com várias máquinas de propriedade da agravante.

O meirinho esclareceu no Auto de Verificação, também, que os invasores estavam pichando o muro e que sofreu ameaças (fl. 110).

Analisando a situação posta, constata-se que não há sequer indícios de que se trata de movimento social organizado, tampouco tentando proteger interesse público, muito ao revés, temos um aglomerado de pessoas, sem qualquer liderança, que se reuniram, provocando tumultuo e invadindo propriedade privada.

Sucede que como restou demonstrado, de fato, a Novo Recife detém o domínio útil, na qualidade de proprietária do imóvel, e possui licença da Prefeitura para proceder à demolição de parte das construções nele existentes, consoante se denota do alvará de fl. 176/177.

Registre-se, ademais, que não há qualquer discussão sobre domínio, tão somente se verifica a insatisfação dos invasores quanto ao projeto que ali será iniciado, sem qualquer respaldo legal.

Necessário, portanto, sopesar os direitos que estão em discussão.

De um lado, estão os invasores imbuídos do espírito de defesa de supostos interesses da sociedade, sem qualquer organização ou hierarquia, sem qualquer característica de movimento social organizado, assim, destituídos de qualquer legitimidade.

Do outro lado, temos o direito de propriedade e da livre iniciativa, constitucionalmente protegidos.

A Constituição de 1988 regula a propriedade entre os direitos e garantias fundamentais, previstos no art. 5º, dispondo, no seu inc.

XXII.

Além de advir dita garantia no atual regime constitucional, o direito de propriedade também sempre foi assegurado na legislação civil, seja no Código Civil de 1916, que previa, no art. 524, que “a lei assegura ao proprietário o direito de usar, gozar e dispor de seus bens, e de reavê-los do poder de quem injustamente os possua”.

Dispositivo de semelhante teor foi incluído no Novo Código Civil, cujo art. 1228 prevê que “o proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la de quem quer que injustamente a detenha.” De conseguinte, não conflitando o uso da propriedade com interesses hierarquicamente superiores, deve ser assegurado direito de usar, faculdade que tem o titular de utilizar-se da coisa de acordo com sua finalidade e de excluir estranhos de igual uso.

Nessa mesma senda, o direito do proprietário de dispor de seu bem, constitui na faculdade de dispor da coisa, alienando-a, transformando-a, descaracterizando-a ou até mesmo destruindo-a.

Assim, o próprio ordenamento jurídico assegura o uso, fruição e gozo da propriedade por seu legítimo proprietário, desde que não lhes sejam impostas limitações pelo Poder Público.

Na hipótese vertente, estamos diante de propriedade urbana, cujas limitações já estão impostas pelo Poder Público, através dos alvarás e licenças concedidas, cabendo a ele dita fiscalização.

Os atos praticados pelos invasores, adentrando ao imóvel e nele permanecendo sem autorização do proprietário, ainda que decorram de questões ideológicas louváveis, não podem ser tolerados, pois destituídos de legitimidade, não encontrando guarida no ordenamento jurídico vigente, tampouco no Estado democrático de direito.

Em seu aspecto jurídico, a propriedade assegura o direito de exigir que todas as pessoas se abstenham de turbar o exercício do direito por seu titular, podendo reavê-la de quem injustamente a detenha.

Para tanto, o Código de Processo Civil estabelece a possibilidade de manejo das ações possessórias, para que os detentores da posse possam ter seus direito resguardado.

Com efeito, para o aparelhamento da ação possessória faz-se mister a demonstração de alguns requisitos pela autora, previstos no art. 926 e art. 927 do CPC, que têm a seguinte redação: Art. 926.

O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação e reintegrado no esbulho.

Art. 927.

Incumbe ao autor provar: I - a sua posse; II - a turbação ou o esbulho praticado pelo réu; III - a data da turbação ou do esbulho; IV - a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção; a perda da posse, na ação de reintegração.

In casu, indene de dúvida que a agravante, além de detentora do domínio, exercia a posse de fato do imóvel.

Assim, uma vez verificados os requisitos necessários ao manejo da ação, como a prova da posse, o esbulho praticado pelos agravados incertos, a data da sua ocorrência, e a presença dos invasores em concomitância com os funcionários do empreendimento, indene de duvida que se afigura imperiosa a concessão da medida liminar reintegratória.

Analisando-se os documentos acostados aos autos, bem como as teses da agravante, entende-se que a falta de decisão do Juiz singular, postergando a prestação jurisdicional é extremamente gravosa, que se encontra eivada do exercício pleno de seus direitos de posse e na iminência de ver o seu patrimônio danificado pelas pessoas ali instaladas.

Ademais, o art. 928 do Código de Processo Civil dispensa a oitiva do réu, assim como a audiência de justificação, quando a petição inicial estiver devidamente instruída.

O colendo Superior Tribunal de Justiça já pacificou o entendimento de que o juiz pode, ao receber a inicial, conceder ordem reintegratória, desde que devidamente comprovada a posse anterior, o esbulho praticado e a data da perda da posse, conforme precedente abaixo transcrito: Assim, não vislumbro óbice à concessão da medida liminar reintegratória, ab initio.

De mais a mais, embora se entenda tratar-se de cautela do Juiz prolator da decisão, registre-se que não se afigura necessária ou obrigatória a intervenção do Ministério Público em todas as possessórias, tampouco antes da decisão liminar.

Isso porque, os arts. 82, III, e 84, do Código de Processo Civil, dispõem claramente sobre a obrigatoriedade da intervenção do Ministério Público, nas causas que envolvam litígios coletivos pela posse da terra rural.

Não sendo esse o caso dos autos, pois se está diante de propriedade privada urbana, devidamente regular perante os órgãos públicos e com respectiva autorização para iniciar as obras atinentes ao empreendimento.

De igual sorte, o art. 83 do Código de Processo Civil preceitua que o Ministério Público terá vista dos autos depois das partes.

Nas situações de urgência, sob pena da intervenção caracterizar tumulto processual e desvirtuar o objetivo da liminar, a oitiva do Ministério Público não é obrigatória.

Diante do exposto, demonstrada a existência de relevância na fundamentação e que a demora na desocupação do imóvel, poderá resultar lesão grave ou de difícil reparação à agravante, DOU PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO, nos moldes do art. 557, §1º-A do CPC, para determinar a imediata expedição de Mandado de Reintegração de Posse, para a retirada dos invasores da área do imóvel, reintegrando a agravante na posse do imóvel em litígio.

Deve o Oficial de Justiça cumprir o referido mandado, com o apoio de força policial, se necessário.

Publique-se.

Cumpra-se.

Comunique a decisão ao Juiz de 1º grau.

Recife, 29 de maio de 2014.

Juiz Márcio Aguiar Relator substituto 1