Cidade do barulho Por Ferreira Gullar, na Folha de São Paulo Uma preocupação que tenho é de não me tornar um velho rabugento, mas com a minha idade, ou é quase impossível ou há coisas mesmo, hoje em dia, difíceis de suportar.

Por exemplo, buzina de carro quando o trânsito engarrafa em frente à minha janela.

Além de ser estressante, é inútil, já que o ônibus não avança porque alguma coisa o impede, e não certamente para irritar o moço que tem pressa de chegar à praia.

Mas em matéria de buzina, há coisa pior, como a sirene das ambulâncias, do carro de bombeiro e da polícia.

Apitam numa altura realmente insuportável, e sem razão para isso.

Esses veículos são dotados de sirene para que o carro que estiver à sua frente lhes dê passagem.

Não precisa, portanto, ser tão alta a sirene que se ouça a um quarteirão de distância.

Já aconteceu de estar eu em meu carro e uma dessas sirenes disparar, de repente, a meu lado, assustando-me a ponto de eu quase jogar meu carro sobre o carro da frente.

E os motociclistas?

Esses, em matéria de barulho, são insuperáveis.

Não diria que ele faz barulho porque é motociclista; não, ele é motociclista para fazer barulho.

Ele jamais seria um ciclista, que nos atropela, mas barulho não faz.

Para o motociclista, o que não faz barulho não tem graça, tanto assim que ele destampa o cano de descarga da moto para produzir o máximo de barulho possível.

E se sentir o rei do pedaço.

Em matéria de ruídos, além das sirenes, há a música que está sempre soando em todo e qualquer lugar onde entro, até numa loja de frutas e no supermercado.

E em geral é música alta e atordoante.

Não sei quem descobriu que todas as pessoas estão dispostas a ouvir música 24 horas por dia.

Eu, que me desculpem, não quero ouvir música a não ser quando me dá vontade, e então prefiro música para me fazer espairecer e sonhar, não para me estressar ainda mais.

Fora as buzinas e o rock pauleira, há ainda o cara que fala alto ao celular.

A impressão que tenho é que ele berra para que alguém que está do outro lado da avenida ouça.

Outro dia, estava eu sacando dinheiro num caixa eletrônico, quando um cara começou a berrar ao celular, em tal altura que, atordoado, desisti de sacar o dinheiro e me mandei.

E esqueci o cartão enfiado na máquina.

Tive que voltar e aguentar por mais alguns minutos o berreiro do pirado.

Isso, porém, é o de menos, porque me arranco e me livro.

Pior é o boteco que, tendo apenas uma porta, ocupa a calçada em frente com mesas e cadeiras e não deixa nenhum transeunte passar.

Se for um deficiente em cadeira de rodas, então, nem pensar: só descendo da calçada ou dando a volta no quarteirão.

E é proibido por lei ocupar as calçadas.

O problema é que a lei, em nosso país, não vale, a não ser contra o cidadão que acredita nela.

Quer ver outra coisa que me deixa fulo da vida? É a folga dos ciclistas que circulam pela cidade do Rio.

Quase nenhum deles anda pela pista destinada a veículos, não, andam pela calçada, muitos deles em alta velocidade.

Frequentemente atropelam alguém, especialmente crianças, senhoras e senhores idosos, menos ágeis para escapar da agressão.

Os guardam veem e não dizem nada, como se o normal fosse isso mesmo.

Este é um traço preocupante da polícia carioca, para quem desobedecer as normas é perfeitamente normal.

Como é normal também urinar na rua, jogar lata de refrigerante no chão e tudo o mais.

Parece-me urgente uma campanha de educação dos moradores, porque são eles, principalmente, os responsáveis por essa esculhambação.

Sucede que o desrespeito à lei não parte só do povão.

Outro dia, uma vizinha minha foi ao banco para pagar o IPTU.

Havia duas filas enormes, a comum e a dos idosos, que era a dela.

Entrou na fila preocupada, pois deveria estar em casa sem muita demora.

Achou que daria, até saber da novidade determinada pelo gerente da agência: os idosos seriam atendidos alternadamente com os não idosos.

Mas não existe uma determinação legal que obriga os bancos a manterem um guichê preferencial para idosos e inválidos? É que, dos quatro guichês, só dois estavam funcionando, embora fosse uma hora de muito movimento no banco.

Ou seja, a lei não vale quando contraria os interesses do gerente.

Trata-se de um dos bancos que mais lucro tiveram no último ano.