A ANCED – Associação Nacional dos Centros de Defesa de Direitos de Criança e Adolescente, através do Centro Dom Helder Câmara de Estudos e Ação Social – Cendhec e do Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares - GAJOP, centros de defesa e promoção dos Direitos de crianças e adolescentes, divulgaram nesta sexta-feira uma nota de repúdio ao Projeto de Lei do Senado Federal nº 160/2014, de autoria do Senador Armando Monteiro Neto, cuja finalidade é alterar o Estatuto da Criança e do Adolescente e introduzir a chamada “responsabilidade infracional progressiva”.
NOTA DE REPÚDIO A ANCED – Associação Nacional dos Centros de Defesa de Direitos de Criança e Adolescente, através do Centro Dom Helder Câmara de Estudos e Ação Social – Cendhec e do Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares - GAJOP, centros de defesa e promoção dos Direitos de crianças e adolescentes, vem manifestar seu repúdio ao Projeto de Lei do Senado Federal nº 160/2014 de autoria do Senador Armando Monteiro Neto, cuja finalidade é alterar o Estatuto da Criança e do Adolescente e introduzir a chamada “responsabilidade infracional progressiva”.
A proposta apresentada pelo referido senador e pré-candidato ao Governo do Estado de Pernambuco, aparece completamente desconectada dos reais desafios das políticas públicas de garantia de direitos e de Segurança Pública no Brasil, além de configurar um perigoso retrocesso político.
Inicialmente devemos apontar que discutir a situação da infância e juventude é perceber que o Brasil vive um contexto em que, segundo dados do UNICEF, metade das/os adolescentes de 15 (quinze) a 17 (dezessete) anos vivenciaram apenas 07 (sete) anos de estudo em média, não atingindo os 09 (nove) anos do ensino fundamental.
Situação fruto da evasão escolar, falta às aulas, gravidez e violência, como exploração sexual, trabalho doméstico e outras formas.
Nesse mesmo país, vergonhosamente, 04 (quatro) em cada 10 (dez) cidadãos que vivem na miséria são crianças e adolescentes, e que 38% destes têm mais de 14 anos. É principalmente ter em mente que, segundo o Índice de Homicídios na Adolescência, 46% dos casos de morte dessa faixa etária são por assassinato e a maioria deles é cometido com arma de fogo.
A probabilidade do adolescente do sexo masculino ser assassinado é quase 12 (doze) vezes maior que a adolescente.
Risco que é quase 03 (três) vezes maior para os negros em comparação aos brancos.
Além disso, não é possível ignorar que o sistema socioeducativo de privação de liberdade, mantém estabelecimentos degradados, com práticas de maus tratos, tortura e/ou sem qualquer projeto pedagógico, sem condições de garantir sequer a vida desses adolescentes.
Inclusive, destaquemos que a medida de privação de liberdade tem sido aplicada como regra e sustentada em fundamentações extrajurídicas que, em geral, se contrapõem ao próprio ordenamento legal.
Em Pernambuco, Estado cuja situação o Senador deveria conhecer profundamente, não é diferente.
Somente nos últimos 03 (três) anos foram assassinados 14 (quatorze) adolescentes dentro de unidades de internamento, sem que o Estado nada fizesse.
Motivo pelo qual o CNJ já recomendou o fechamento dos Centros de Atendimento Socioeducativo do Cabo de Santo Agostinho e de Abreu e Lima. É nesse contexto que o Projeto de Lei proposto se apresenta como uma saída conservadora e com resultados higienistas.
Na contramão da luta pelo acesso aos direitos constitucionalmente garantidos e da construção de um ambiente saudável para infância e juventude, o parlamentar propõe permitir que adolescentes internadas/os passem mais da metade de sua adolescência e cheguem à idade adulta num sistema comprovadamente violento e criminosamente negligente.
Tecnicamente, o projeto demonstra total desrespeito aos princípios basilares da excepcionalidade e brevidade da medida socioeducativa, além de ignorar os efeitos nefastos da privação de liberdade.
Espelhando uma visão de Estado essencialmente repressor e penalista, prevê a fixação de um prazo determinado para cumprimento da medida de internação (alteração do §2º do art. 121), pondo fim a avaliação da medida conforme seu sucesso.
Não fosse suficiente, vincula a revisão da internação a sua substituição pelo regime da semiliberdade (inclusão do §8º do art. 121), o que pode praticamente dobrar sua permanência no sistema sócio-educativo.
Ou Seja, propõe o senador a possibilidade de um/a adolescente ficar 16 (dezesseis) anos dentro do sistema socioeducativo.
Diante deste contexto, o afastamento que, em tese, deveria ser temporário, passa a ser duradouro.
Depois de anos de lutas, nacionais e internacionais, pela garantia de direitos, o Brasil está se propondo a uma política de segregação infanto-juvenil.
A sociedade brasileira não necessita de propostas simplistas, imediatistas e reducionistas de direitos.
O Estado precisa favorecer a institucionalização do Sistema de Garantia de Direitos, fornecendo condições para seu funcionamento de forma a prevenir violações e defender direitos de crianças e adolescentes.
Por fim, as instituições que subscrevem essa nota veem com preocupação o fato da referida proposta vir através de um pré-candidato ao Governo do Estado.
Espera-se que amostras de políticas públicas voltadas para a infância e juventude, de teor completamente deslocado dos debates públicos em torno da garantia de direitos de todas e todos, como esta, não encontrem guarida nos compromissos de campanha de quaisquer candidatos.
Assim, a ANCED, o CENDHEC e o GAJOP, motivados pela construção de uma sociedade democrática e justa, onde a infância e juventude não sejam penalizadas pela ausência de políticas públicas, veem reafirmar seu compromisso na luta pelos Direitos Humanos.
Recife, 23 de maio de 2014.