Por Gustavo Krause, especial para o Blog de Jamildo Para quem não leu o primeiro artigo, o fio da meada é a relação entre futebol, política e, particularmente, as eleições presidenciais que, desde 1994, coincidem com a realização das copas.

Vamos a elas.

A Copa de 1994.

Foram 24 anos de amargo jejum, agravado pelo travo da segunda maior decepção do torcedor brasileiro: a tragédia do Sarriá, quando o carrasco italiano Paolo Rossi decapitou uma das mais brilhantes seleções do mundo, a de 1982.

Em 94, o Brasil vivia sob inflação nas alturas e instabilidade política que assustava a democracia nascente.

No futebol, nada excepcional, à exceção de Romário.

O fleumático Parreira e o experiente Zagalo apostaram no ramerrame eficiente do futebol burocrático.

De repente, uma sigla engenhosa, a URV, se transformou numa moeda sólida, o Real; de repente, na decisão dos chutes da marca penal, nossos atletas acertaram o pé, a mão salvadora de Taffarel e o chute torto de Baggio ajustaram as contas de 1982. É tetra!

A pergunta é: qual a influência da vitória do futebol na eleição de Fernando Henrique?

Nenhuma.

A eliminação dos efeitos perversos da inflação crônica, associada à estatura moral e intelectual do candidato FHC, estes sim, foram fatores determinantes do julgamento popular.

Com efeito, o eleitor distingue os momentos – o esportivo e o eleitoral – e não os confunde.

Tanto é verdade que na Copa de 1998, a humilhante goleada da França não evitou a reeleição de FHC.

A Copa de 2002.

Mais uma vez, Copa e eleição presidencial de mãos dadas.

Realizada em dois países asiáticos, depois de hospedada pelo perna de pau Tio Sam, o esporte eurocêntrico, globalizou-se, definitivamente, em 2010, ao chegar à pátria de Mandela.

A boa seleção brasileira teceu os laços solidários da “família Scollari”; fez o “Fenômeno” renascer das cinzas; mostrou ao mundo o implacável pé esquerdo do humilde cracaço pernambucano Rivaldo.

Resultado: o Brasil é penta.

E a eleição?

A oposição (Lula) venceu a situação (Serra).

O suposto favorecimento da situação com a vitória na Copa, mais uma vez, não bateu com o ânimo do torcedor.

As Copas de 2006 e 2010.

Duas derrotas no futebol e duas vitórias eleitorais: reeleição de Lula e eleição de Dilma.

Derrotas vergonhosas: a de 2006, apelidei a competição de “Copagode de celebridades” e, na de 2010, os jogadores (de joelhos) trocaram a letra do hino nacional pelos versos da marselhesa.

A Copa de 2014.

Até agora olhamos os fatos pelo retrovisor.

Fácil.

Afinal, contra fatos não há argumentos.

Porém, os fatos mudaram e as percepções também.

A vertigem das mudanças ocorridas no mundo inteiro merece, no mínimo, uma apurada reflexão.

E esta reflexão resulta do fenômeno universal que são as manifestações de rua.

Distintas no tempo e situadas nos mais diversos contextos políticos e histórico-culturais, as manifestações de rua têm vários pontos em comum: interpretam uma emoção coletiva de indignação; refletem profunda descrença nas instituições da democracia participativa; eclodem a partir de uma centelha; movem-se do espaço cibernético para o espaço público.

Nos movimentos brasileiro de junho, a fagulha foi o aumento da tarifa de transporte público.

Veio à tona uma torrente de insatisfação que se resume no seguinte: nós não estamos satisfeitos com o Brasil. É aí que entra a percepção de dois brasis: um que não funciona; outro, o Brasil da Copa, que superfatura obras, que promete um legado onacabado, enfim, um país que subverteu prioridades e que tem dinheiro para financiar as prioridades invertidas.

O que está em jogo não é o resultado do jogo: é o contraste entre o Brasil real e o Brasil/FIFA.

O clima é desfavorável a quem governa.

Parcela considerável dos torcedores descolou da seleção.

A Pátria descalçou as chuteiras.

Ser campeão é um anestésico passageiro.

Remanesce o Brasil real, empacado, mal-humorado, com explosões de violência e rancor social.

Mais que emblema, a Copa tornou-se um problema para o governo.

Não ser campeão é uma dor passageira.

Não quero viver esta dor.

A mim, não importa se tem ou não influência eleitoral.

Sou torcedor.

A bola rolou, passo a pensar com o coração.

Hexa e luxo!