Por Noelia Brito Há aproximadamente um ano, deu-se início a um movimento contraposto à candidatura da presidenta Dilma Rousseff à reeleição.

O gatilho foi disparado por um dos donos da construtora Odebrecht, o baiano Emílio Odebrecht, que em evento social teria defendido, com entusiasmo, segundo a colunista Dora Krammer, do Estadão, que em vez de Dilma, o PT relançasse Lula com Eduardo Campos na vice.

Logo depois de lançada a semente da discórdia por Emílio Odebrecht, este mesmo se apressou em negar que tivesse feito tal declaração.

Até então, não havia razão para se cogitar de qualquer mudança de candidatura por parte do PT, ainda mais porque Dilma se mantinha, como ainda se mantém, à frente nas pesquisas e com índices de aprovação até mais favoráveis que aqueles apresentados pelo próprio Lula, quando no mesmo período de seu primeiro mandato.

Estranhamente, o “Volta, Lula” surgiu não de dentro do PT, o Partido de Lula e Dilma, nem das classes que integram a base da pirâmide social, que, inegavelmente, têm verdadeira adoração pelo ex-presidente, mas do alto empresariado, através do que foi verbalizado pelo empreiteiro Emílio Odebrecht e de integrantes de outros partidos da base e até da oposição, como o PSB.

Acusam Dilma de não saber dialogar com eles, de ser dura e intransigente.

Com as manifestações de junho, não só a popularidade de Dilma, mas a de toda a classe política, teve queda substancial e isso tem se refletido na dificuldade com que os candidatos de oposição, como Aécio Neves e Eduardo Campos têm demonstrado em transformar a enorme visibilidade que têm tido na mídia e nas inserções partidárias, em intenções de votos.

O aumento de seu conhecimento pelo eleitorado não é, nem de longe, proporcional ao aumento das intenções desses mesmos eleitores, que passaram a conhecê-los, em votar neles.

Assim, não é apenas a queda da popularidade de Dilma que justificaria sua substituição, pois essa queda não se dá em razão de uma deficiência dela, mas de uma visão negativa que a população tem da própria classe política.

Paradoxalmente, a classe política, tão rechaçada pelo povo, por suas práticas fisiológicas e corruptas, tem feito coro com o alto empresariado contra Dilma pelas mesmas razões.

Os congressistas da base aliada reclamam que Dilma não atende seus pedidos por cargos e mais cargos, emendas e mais emendas.

Que persegue os corruptos mandando demiti-los ao primeiro sinal de falcatruas em Ministérios.

A mulher é um terror, reclamam.

Coisa nunca antes vista na história desse país.

Segundo esses políticos, Lula era diferente.

Atendia seus pedidos e era benevolente com seus malfeitos.

Um verdadeiro pai, daquele tipo bonachão e que tudo releva.

Entre os que resolveram engrossar o coro do “Volta, Lula”, além de vários próceres do PMDB, como Eduardo Cunha, que tem sabotado sistematicamente o governo Dilma, está uma fração do PR, que ainda ontem divulgou carta chamando, explicitamente, o ex-presidente Lula, para que defenestrasse Dilma do Palácio e se lançasse na aventura de uma nova candidatura.

Alguns petistas também fariam parte do chamado coro do “Volta, Lula”.

Não porque sejam lulistas, mas por um sentimento antidilmista.

Seriam adeptos do antidilmismo, por puro personalismo e por interesses contrariados, o agora ex-petista, deputado paranaense André Vargas e os deputados paulistas Cândito Vaccarezza, mais conhecido como o PMDB dentro do PT e Vicente Cândido.

A mídia, é claro, faz estardalhaço e alardeia aos quatro ventos que há um movimento de insurretos, clamando a volta de Lula porque Dilma estaria isolada dentro do PT e a razão seria essa sua mania por honestidade e sua intransigência com os malfeitos petistas.

O Editorial da revista Veja, que circulou no final de semana passado, deixa isso muito claro.

Ali se lê que a “presidente incomoda companheiros de partido e aliados muito mais por seus acertos do que por seus erros”.

Na seção “Carta ao Leitor”, Veja adita, ainda, que “Pelo que se conhece de sua biografia, dos princípios e do temperamento da presidente Dilma Rousseff, ninguém é capaz de convencê-la a trilhar os maus caminhos.

Entre tantos defeitos que se enxergam em sua condução do governo e, em especial, da política econômica, não está o da facilidade com os grupos historicamente acostumados a servir-se dos cofres públicos.

Essa retidão pessoal deveria fortalecê-la nos embates atuais.

Tristemente, ocorre o contrário.

Dilma tem sido alvo de tramas dos companheiros de partido e dos aliados muito mais por suas virtudes do que por seus defeitos.” É intrigante que parta justamente da Veja, um tradicional veículo antipetista e pró-tucano, a defesa da presidenta do cerco que lhe é feito, segundo a revista, por companheiros de partido e aliados, todos incomodadíssimos com seus surtos de honestidade doentia.

Porém, quando analisamos os motivos que são levantados como desencadeadores desse cerco, passamos a compreender o porque da defesa e de onde, de fato, parte o movimento “Volta, Lula”.

A empreiteira Odebrecht tem, de fato, razões para desgostar da presidenta.

Em 2012, uma auditoria interna da Petrobras, feita pela atual gestão, detectou que o processo 001/2010 apresentou um superfaturamento US$ 344 milhões.

O contrato foi assinado na gestão Gabrielli e revisto na gestão Graça Foster.

Para se ter uma ideia, havia previsão de aluguel de 3 máquinas fotocopiadoras ao custo, na Argentina, de R$ 7,2 milhões e o pagamento de salários de R$ 22 mil a pedreiros, nos Estados Unidos.

Esse contrato já está sob investigação da Polícia Federal e do TCU.

Os deputados petistas apontados como líderes do levante contra Dilma acabam de ser pilhados pela Operação Lava-Jato da Polícia Federal, por envolvimento com o doleiro Alberto Yousseff, acusado de liderar um esquema de lavagem de dinheiro que movimentou mais de R$ 10 bilhões do tráfico internacional de drogas e da corrupção.

A fração do PR que fez a nota chamando o “Volta, Lula”, já foi descredenciada por boa parte do próprio PR, por considerar que estariam a serviço de outros partidos, o que não seria de surpreender, já que um dos expoentes do PR, o deputado Inocêncio Oliveira, já declarou apoio ao projeto presidencial de Eduardo Campos.

Aliás, é do PR a deputada cearense Gorete Pereira que também já aparece nos inquéritos da Operação Lava-Jato, acompanhando o ex-diretor da Petrobras, Paulo Roberto Costa, também preso e já denunciado por corrupção nos contratos da Refinaria Abreu e Lima, em reuniões no Ministério das Minas e Energia, fazendo gestões para facilitar a ida de uma refinaria chinesa para o Ceará.

De tudo isso, o que se conclui é que o movimento “Volta, Lula” tem, sim, um viés de insurreição por parte de alguns insatisfeitos com a forma rígida com que Dilma conduz os negócios da Nação, a ponto dessa postura escorreita ser reconhecida por órgãos da imprensa conservadora, como a Veja e pelo próprio candidato de oposição, o senador Aécio Neves, em declarações recentes.

Mas, que ninguém se engane com esses elogios que mal disfarçam seu sincronismo, pois por trás carregam a real intenção que é contrapor o que chamam de rigidez de caráter de Dilma com a frouxidão desse mesmo caráter querem imputar a Lula e que seria a causa do saudosismo daqueles que puxam, segundo, a mídia, o “Volta, Lula”.

Perceberam o ardil?

Todos os que criticam Dilma – e o editorial da Veja deixa isso explícito – sentir-se-iam incomodados e prejudicados por suas virtudes, sua retidão de caráter, sua honestidade, pois Dilma não dá facilidade “aos grupos historicamente acostumados a servir-se dos cofres públicos”, coisa que, nos tempos de Lula, os defensores de sua volta, podiam fazer à vontade.

Essa é a mensagem subliminar que os que propagam a existência de um movimento “Volta, Lula” querem passar.

Com isso enfraquecem Dilma politicamente, passando a impressão de isolamento dentro do PT e da base aliada, ao mesmo tempo em que fortalecem a imagem que vem sendo trabalhada desde que veio à tona o escândalo do Mensalão, de que o PT foi o inventor da corrupção e que Lula sempre foi o fomentador dessa prática, daí porque aqueles “acostumados historicamente a servir-se dos cofres públicos” sentirem tanto a sua falta e atacarem impiedosamente Dilma, a ponto de isolá-la.

Aí entra Eduardo Campos fazendo um discurso que poupa Lula, mas ataca Dilma por causa justamente dos aliados que supostamente a teriam isolado por preferirem Lula.

Segundo Eduardo Campos, o governo Dilma é fisiológico e corrupto porque está aliado a velhas raposas da política.

E quem são as velhas raposas a que se refere Eduardo Campos?

Ninguém mais, ninguém menos que aquelas pessoas a quem a Veja chamou de “grupos historicamente acostumados a servir-se dos cofres públicos”, a quem tanto Dilma desagradaria e que pedem o “volta, Lula”, mas não porque queiram, de fato, sua volta, porque como a própria Dilma já chegou a afirmar, Lula não vai voltar porque ele nunca saiu, mas porque vendo a inviabilidade eleitoral dos dois candidatos postos como alternativas pela oposição, a última bala na agulha que lhes resta é desconstruir a imagem do principal cabo eleitoral de Dilma que é e sempre foi o ex-presidente Lula.

As pesquisas não deixam dúvidas de que se existe alguém com capacidade de influenciar a opinião da massa dos eleitores, esse alguém ainda é o Lula.

Lula tem um legado como estatista que incomoda à elite por mais que ele, Lula, tenha se aliado a essa mesma elite para chegar ao poder.

Há poucos dias, Lula recebeu seu 27º título de doutor “honoris causa”, este último pela Universidade de Salamanca.

O mesmo título que foi concedido ao Nobel de Literatura José Saramago foi dado ao ex-torneiro mecânico, Luís Inácio Lula da Silva, que mesmo sem ter diploma universitário foi o presidente que mais fez universidades no Brasil.

No final do ano passado, discursando para uma plateia de mais de duas mil pessoas, Lula desabafou: “Eu me orgulho de ter sido eleito presidente da República depois de três derrotas.

Quando muitos teriam desistido, eu teimei porque queria provar que um operário metalúrgico tinha mais competência para dirigir esse País que a elite brasileira.” Engana-se, portanto, quem pensa que o movimento “Volta, Lula” é contra Dilma.

Não, esse movimento é contra o próprio Lula.

Noelia Brito é advogada e procuradora do Município do Recife