Por Expedito Solaney, secretário nacional de Políticas Sociais da CUT O golpe militar de 64 derrubou além do presidente João Goulart e governadores eleitos democraticamente, direções sindicais combativas.
O golpe atingiu em cheio os trabalhadores e suas organizações sindicais urbana e camponesa.
Foi um golpe contra os trabalhadores e povo brasileiro.
Foi um golpe anti-operário e anti-camponês.
No dia 31 de março de 1964 foram invadidos mais 400 sindicatos e, ao longo da ditadura, outras centenas sofreram intervenção e suas direções destituídas.
Milhares de dirigentes torturados, mortos, desaparecidos, outros tantos exilados, documentos e sindicatos destruídos.
Os militares sabiam que a resistência e o apoio ao governo Jango estava nos sindicatos de trabalhadores urbanos e rurais.
Os tanques de guerra amanheceram no fatídico 1º de abril de 64 na frente dos sindicatos cujas direções lutaram e apoiaram as reformas de base – A reforma agrária, urbana, educacional, eleitoral, bancária e fiscal, - todas, até hoje, pendentes para um Brasil novo. À época propugnada e apresentada ao povo brasileiro pelo presidente João Goulart no histórico comício do dia 13 de março de 64 na Central do Brasil-RJ com mais 150 mil pessoas sendo a maioria trabalhadores.
O comício detonou o golpe que veio dias depois com apoio explicito dos EUA e da elite golpista brasileira.
O Comando Geral dos Trabalhadores – O CGT, organização sindical livre e autônoma, comandou o movimento de massas naquele período.
Tinha uma importante base orgânica ao Partido Comunista Brasileiro (PCB).
O CGT organizou e decretou as principais greves da nossa história, com pautas políticas e econômicas.
Como a greve geral iniciada no dia 5 de julho de 1962 tinha como eixo o apoio às reformas de base e a luta contra o parlamentarismo.
Essa histórica greve reivindicava também a instituição da Lei do 13º salário.
Após sete dias de greve e negociações, o governo João Goulart sancionava a Lei do 13º salário.
Uma importante vitória para os trabalhadores.
O plebiscito sobre o sistema de governo foi marcado para janeiro de 63, ganhando por maioria absoluta o retorno ao presidencialismo, os debates sobre o plano trienal e a situação econômica, enfim.
Isso dá uma dimensão da efervescência da pauta política, econômica, e de justiça social para o Brasil.
A participação do movimento sindical foi determinante na luta política, nas conquistas e avanços para os trabalhadores e para o povo.
O debate sobre a valorização do trabalho, a importância do desenvolvimento, a produção acadêmica e cientifica nas universidades, o debate sobre o planejamento urbano, a reforma agrária entre outros.
Vivíamos em pleno exercício de debate, os estudantes, os trabalhadores urbanos e rurais, as organizações sindicais e sociais discutindo os rumos do país, a possibilidades de mais justiça social, mais direitos, mais cidadania e democracia.
Por outro lado, uma parte importante da caserna, em especial os militares na Escola Superior de Guerra, com ajuda do imperialismo estadunidense e agentes da CIA, estavam em plena conspiração para calar esse povo, calar os trabalhadores, barrar um processo de conquistas para o desenvolvimento.
Derrubar o governo Jango, um governo legítimo e autônomo.
Era condição sene qua non para o Brasil frear seu processo de desenvolvido e justiça social.
Ser um referencial político e econômico na America Latina, um polo de aglutinação de forças progressistas aptos para prestar apoio e solidariedade a todos os países vizinhos e à revolução Cubana e Chinesa.
A rigor os militares e o governo dos Estados Unidos já conspiravam um golpe para frear o processo de desenvolvimento e da democracia no Brasil, desde Vargas passando por Kubitschek culminando com golpe 64 no governo João Goulart.
O golpe logo chegou aos locais de trabalho e às famílias dos trabalhadores.
As primeiras medidas estabeleciam mudanças nas leis trabalhistas: a lei do arrocho salarial e a revogação da lei da estabilidade no emprego, que era superior à convenção 158 da OIT, só para citar duas.
Levou os trabalhadores ao pior arrocho salarial da história e de demissões em massa.
Com a capacidade de reação dos sindicatos totalmente minada, se inicia um brutal processo de perdas de direitos, de desigualdades sociais, de corrupção e a mais perversa concentração de renda (no inicio de 1964, antes do golpe, portanto, o salário mínimo era de mil reais atualizando em moeda de hoje).
Um recente estudo sobre distribuição de renda com base no índice de Gini (que mostra o nível de concentração de renda no país) aponta que em 1960 o índice estava em 0,50 (quanto mais perto de zero mais igualitária é a sociedade) em 1970 estava em 0,56; em 1980 para 0,59; e em 1981 para 0,63.
A queda só começou a acontecer sistematicamente no século XXI e hoje 2014 volta ao patamar de 0,50 mesmo patamar de 1960.
Ou seja, os militares além prisões, torturas, mortes, desaparecimentos, o povo, os trabalhadores viveram o maior arrocho salarial da história do país, além de terem calado e proibido a produção das universidades, dos professores, dos estudantes os trabalhadores foram totalmente sufocados pelo golpe.
Uma geração inteira de filhos de trabalhadores são raquíticos, pois os pais não recebiam salário suficiente para comprar o mínimo para alimentar satisfatoriamente com proteínas um pessoa.
Os dados mostram um reduzido desenvolvimento físico e intelectual dessa geração de filhos de trabalhadores, além da massa de desempregados.
Esse é mais um crime de lesa humanidade perpetrado pelos militares no poder de 1964 a 1985.
Os pelegos, interventores nomeados pelos militares via Ministério do Trabalho, não se mexiam.
Aliás, apoiavam as ações dos militares.
Os pelegos delatavam companheiros nos locais de trabalho, além de terem destruído a memória da maioria dos sindicatos que eles entraram como interventores.
Houve resistência localizada e luta dos trabalhadores que, após o golpe, retomaram a direção de vários sindicatos, como no caso dos Metalúrgicos de Osasco.
A greve de ocupação da Cobrasma e paralisação das principais fábricas da cidade, junto com os membros do movimento sindical anti-arrocho (MIA).
Hoje, temos a possibilidade de escrever a história como ela foi, de reconstituir à memória e à verdade e fazer valer a Justiça.
A Comissão Memória, Verdade e Justiça da CUT faz um chamado a todos os sindicatos filiados à CUT a levantar sua memória, a escrever sua história.
Quem eram os dirigentes que estavam à frente do sindicato no golpe de 64?
Quantos foram torturados, mortos, desaparecidos?
Os que entraram na clandestinidade, os que foram exilados?
Estamos em um momento importante para revisitar esse passado histórico, escrever a história como ela foi, reivindicar a Justiça e sobretudo lutar para que nunca mais aconteça.
Essa triste memória e história estão sendo revisitadas com a instalação da Comissão Nacional da Verdade - CNV.
Constituída pelo governo brasileiro em 2011.
A CNV apresentará relatório final em novembro de 2014.
Nossa expectativa é que o relatório expresse a verdade dos fatos ocorridos ao longo dos 21 anos do regime militar e as recomendações apontem supressão do parágrafo primeiro do artigo 1ª da Lei de Anistia, que versa sobre os crimes conexos.
Que as recomendações sejam aceitas pelo MP e culmine com instauração de processo penal e, posterior julgamento pela justiça dos agentes que cometeram crimes de lesa humanidade em nome do Estado.
Esses crimes não prescrevem, a justiça mesmo que tardia deve e tem que ser feita!!
Viva a resistência e a luta dos que mantêm viva à memória e até hoje lutam por justiça e punição dos militares que torturaram e mataram!
Golpe nunca mais!
Tortura nunca mais!