Como o eixo das lutas sociais passa pelas ruas, as esquerdas, apesar da pequena expressão eleitoral, poderão mostrar que ainda têm algo distinto a dizer Por Ricardo Antunes, na Folha de São Paulo O ano de 2014 será emblemático para o Brasil.
Na Copa da Fifa, poderemos vencer ou não; teremos o ano do hexa com rebeliões, ou um ano de rebeliões sem o hexa.
Mas será também o ano das eleições.
Depois do vendaval de junho, os partidos recuperam seu espaço e já se sentem confortáveis novamente para o embate.
Muitos exemplos mostram, entretanto, que a revolta nas ruas não têm tido repercussão direta nos resultados eleitorais.
Da Espanha ao Chile, da Itália a Portugal, as sublevações seguem uma lógica que recusa os calendários eleitorais, e o absenteísmo se amplia.
A descrença é tal que quem opta por votar o faz alternando suas opções entre as principais rotas dominantes e aquela que vence recebe o troco nas eleições seguintes.
No Brasil, a presidente Dilma Rousseff (PT) recuperou-se nas pesquisas, ainda que a situação econômica e as turbulências de toda ordem sejam incógnitas eleitorais.
A recente crise da aliança entre seu governo e o PMDB e a compra pela Petrobras de uma petroleira hipervalorizada nos Estados Unidos demonstram que o quadro eleitoral pode se turvar ainda mais.
Mas o ex-presidente Lula e seus candidatos ainda são fortes nos rincões onde o Bolsa Família se expande.
Se o programa permite minimizar os níveis de miséria, é incapaz de eliminá-la.
Sua perpetuação tornou-se, então, vital para a manutenção do PT no poder, criando um círculo vicioso perverso: o Bolsa Família é uma política assistencialista absolutamente insuficiente.
E quanto mais tempo perdurar, mais o PT se beneficia, pois os pobres temem a volta do tucanato com sua conhecida insensibilidade social.
Foi assim que o PT encontrou seu principal cabo eleitoral.
Ocupou seu espaço, gostou do poder e garante a boa vida dos grandes capitais.
Não foi sem motivos que um delfim do empresariado afirmou que Dilma “tem qualidades interessantes para administrar e é de uma seriedade extravagante.
Devíamos saber aproveitá-la.” (Valor Econômico, 23/12/2013) O PSDB, por sua vez, perdeu o rumo quando o PT lhe roubou a programática. É constrangedor ver o senador Aécio Neves como paladino da oposição.
O neto de Tancredo envelheceu precocemente e não percebeu.
Deu espaço para Eduardo Campos (PSB) e Marina Silva (PSB), nessa esdrúxula aliança entre alguns verdes e novos e velhos ruralistas.
Eles perceberam, entretanto, a fragilidade do mineiro, mas o querem como aliado.
E as esquerdas que estão na oposição serão capazes de ouvir a voz funda que aflorou nas rebeliões de junho?
Conseguirão encontrar uma alternativa que dialogue com os movimentos sociais, com o descontentamento das periferias?
Compreenderão a recusa à mercadização dos bens públicos e sua oposição à via estritamente eleitoralista e prisioneira de uma institucionalidade viciada?
Serão capazes de ampliar os laços efetivos com a juventude e com a jovem classe trabalhadora?
Se o eixo das lutas sociais passa hoje pelas praças e ruas, as esquerdas, apesar de sua pequena expressão eleitoral, poderão ao menos mostrar que ainda têm algo distinto a dizer para “os de baixo”, mesmo quando as eleições presidenciais parecem estar inteiramente restritas a uma dança entre os partidos da ordem.
RICARDO ANTUNES, 61, é professor titular de sociologia na Universidade Estadual de Campinas e autor de “Riqueza e Miséria do Trabalho no Brasil II”