Por Michel Zaidan Filho “Eu sou mameluco, eu sou leão do norte….” Como as épocas históricas, os povos não são tradicionalistas por vocação.
São por necessidade.
Desde a Revolução de 30, quando as oligarquias estaduais perderam parte do poder de que gozavam, produziu-se um discurso saudosista, cujo objetivo era provar que o Brasil, a brasilidade, os brasileiros tinham nascido no Norte, no Nordeste, em Pernambuco ou em Apipucos, Olinda, nos Montes Guararapes ou no marco zero….
Essa astuta engenharia simbólica produziu uma religião, uma igreja e seus sacerdotes.
O seu grão-mestre chamava-se Gilberto Freyre, e sua obra “a brasilidade nordestina”.
Na ausencia da pompa e circunstância dos tempos dos barões, condes e viscondes, era indispensável agora escrever a epopéia civilizatória, a saga da oligarquia nordestina.
Saga alimentada por mitos, fábulas e ficções que nos fizesse crer que éramos mais brasileiros do que os outros brasileiros.
Criou-se até uma ciência cujo propósito era conferir legitimidade científica à fábula e os bardos armoriais passaram a falar em “nordestinados”, “nor-destinos”.
A posição de subalternidade economica da nossa região, no contexto da nova divisão nacional do trabalho, passou a ser compensado com as proezas de João grilo, as memórias de alcova do senhor de engenho falido, ou a apresentaão épica do patronato da “Casa Grande”, os pais-fundadores da nordestinidade brasileira.
Daí o salto para o nativismo, o nacionalismo, o republicanismo e até o socialismo caboclo foi rápido.
Pernambuco era o berço precoce de todas as ideologias politicas modernas, convivendo é claro com o museu natural da história do escravismo e da dominação branca, cristã e lusitana, de que o patronato político sempre se achou hereditário.
Dessa tradição vem o costume de embalar os mortos e os falecidos com a bandeira do heroismo, da honestidade, da coragem, da bravura indômita etc.
O sujeito podia ter sido um cafajeste.
Mas depois de morto, virava santo.
A morte seria uma espécie de purgatório, que reabilitava as pessoas para a posteridade.
Sobretudo, se fôsse rico, bem sucedido, bem relacionado e influente.
Aí, não tinha defeito o falecido.
Só virtudes e qualidades.
Imagine-se quantos martires, santos e heróis pernambucanos não foram produzidos por essa astuta operação de elevação moral e cívica dos que se foram.
Imagine os livros de estória (em quadrinhos) distribuidos nas escolas públicas com essa hagiografia cívica, produzida pela nossa “brasilidade nordestina”!
Essas considerações vem a propósito desse culto totemico que costumamos fazer a determinadas personalidades politicas, economicas e sociais da nossa região.
Enquanto não formos capazes de “humanizarmos” essas criaturas, desmitologizando-as e reduzindo-as à sua condição de simples mortais, enterrando seus espíritos definitivamente nos jazigos e cemitérios, não construiremos jamais uma sociedade de homens e mulheres livres e iguais.