Joaquim e sua circunstância Por Caleb Salomão Há décadas, sociedades democráticas se organizam a partir de textos constitucionais extensivos e invasivos.
Viu-se nesse processo de constitucionalização, certa descrença nos Poderes Executivo e Legislativo, venais e alheios às demandas populares e refratários demais à adoção de medidas – legislativas e administrativas – capazes de realizar as promessas democráticas da Constituição.
O Judiciário seria assim, a última fronteira antes da derrocada da teoria da separação dos poderes.
Seus membros, titulares do poder-dever de dizer de Direito, seriam os guardiães da verdade jurídica extraível das normas e regras organizadoras do Estado.
Ensinaram-nos cinicamente que o Judiciário não é órgão político, por não ter vínculos diretos com o povo, o soberano político formal.
Por isso podem até decidir contramajoritariamente.
No contexto, o Supremo Tribunal Federal se sobressai porque exerce o papel de Guardião da Constituição, a Lei Maior.
Sua missão é interpretar as normas constitucionais, traduzindo o verbo do povo soberano, representado pelo Poder Constituinte, impondo-nos sua última interpretação.
Há quem, por isso, aplique à Corte Suprema o epíteto de “superego da nação”, o poder que imporá limites (constitucionais) aos demais poderes.
Um poder assim tão supervalorizado não poderia sofrer perda de legitimidade, sob pena de levar a Nação à descrença absoluta nos poderes estatais.
E enquanto não são adotadas medidas – policiais, judiciais, educacionais etc. – para resgatar a crença na democracia representativa, ele está posicionado como depositário das crenças da sociedade.
Nessa circunstância o STF tem julgado a Ação Penal 470 (Mensalão).
E nessa circunstância Joaquim Barbosa tornou-se presidente e relator do processo mais discutido na história da Corte.
Nessa circunstância, Joaquim Barbosa – diante do barulho insano das ruas, modulado e amplificado por certo jornalismo que não prima por isenção e tampouco pelo respeito aos direitos fundamentais consagrados pela jurisprudência constitucional – confundiu seu papel de sereno juiz com o de aguerrido promotor de justiça.
Diante da realidade revoltante, marcada pela gangrena institucional que corrói a crença de muitos na democracia, o juiz não quis decepcionar as massas e traiu o seu papel e o de sua Corte.
Quis salvar a imagem desta e viu-se inclinado a responder não segundo a lei e a jurisprudência, mas segundo o desejo de vingança que vinha das ruas.
Admitiu agora que repetiu nefastas práticas de outros juízes e manobrou imoral e ilicitamente para alcançar o fim que as massas exigiam: a punição e a espetaculosa condução dos inimigos do povo à cadeia.
Deu em seu voto de circunstância, constrangedora contribuição para o aumento da descrença e da certeza de que também o Judiciário pode não ter compromisso com a eticidade constitucional.
Esqueceu-se de que, na crise de valores que nos empobrece como sociedade, não precisamos de juízes justiceiros, mas de juízes que serenamente façam valer a Constituição da República, sem flexibilizar a ética e a técnica para atender as vontades surgidas das paixões populares.
Ao agir como agem os juízes menores, apequenou-se Joaquim diante da circunstância.
E prestou homenagem aos vícios da República que imaginou combater.