O devido processo legal não pode ter uma vinculação com o estrato social da pessoa que está sendo julgada.
Esse princípio, porém, tem sofrido uma distorção no Brasil, do qual o processo do mensalão dá provas.
Quem afirma é o professor da Universidade de Coimbra Rui Cunha Martins. “O processo do mensalão é a grande oportunidade que as populações cansadas de tanta desigualdade têm agora do revanchismo, da vingança.
E o sistema jurídico aceita fazer esse papel”.
Professor visitante de programas de pós-graduação e membro de grupos de pesquisa em diversas universidades brasileiras e espanholas, Martins tem como foco de trabalho investigar confluências entre a Teoria da História, Teoria do Direito e Teoria Política, áreas em que orienta trabalhos de mestrado e doutorado.
As linhas de pensamento mais presentes em seus trabalhos são a problemática da mudança política e da transição, a problemática da fronteira e da estatalidade e os regimes da prova e da verdade.
No Brasil, as ideias foram explicadas nos livros O Ponto Cego do Direito: The Brazilian Lessons e A Hora dos Cadáveres Adiados, lançados no ano passado.
Para Martins, ao relativizar a importância das provas e justificar entendimentos com a repercussão que o resultado do julgamento teria em outros casos ou na opinião pública, o Supremo admitiu a participação de um elemento informal na técnica de decidir: a pressão social.
Pressão essa que, segundo o professor, se volta contra a corrupção como se ela fosse a causa dos problemas sociais e econômicos do país.
Em sua opinião, porém, esse tipo de pensamento tira o foco de um mal ainda mais destrutivo: a incompetência de quem tem a obrigação de guiar bem a gestão pública.
Em entrevista exclusiva concedida à ConJur, ele afirma: “Se os tribunais fizerem o papel da ‘limpeza’, se arriscarão a ser os faxineiros do serviço, os idiotas úteis”.
E ele é ainda mais assertivo.
Diagnosticando o movimento, que com a postura do Supremo ganha força na Justiça, Martins faz um alerta.
Diante do anseio em acabar com a corrupção colocando ricos e poderosos atrás das grades, há o risco de se questionar a conveniência de se viver em um Estado Democrático de Direito, que, por regra, não pode abrir mão do devido processo legal — princípio que, por natureza, pede o contraditório e é inimigo da pressa em julgamentos penais. “Devido processo legal não tem que ter uma vinculação ao estrato social da pessoa que está a ser julgada.
Esse princípio tem sofrido uma distorção no Brasil.
Tem havido um peso de punição, de prisões, de execuções, proveniente de camadas sociais”, afirma. “O Estado de Direito não é salvo cada vez que um corrupto é condenado.
E não será salvo se prender pessoas que não deveriam ser presas.
Dizer: ‘Eu também vou julgar poderoso’ não vai oferecer segurança às populações.” O professor visitou a redação da ConJur em uma de suas viagens ao Brasil, que faz com frequência para dar palestras em universidades.