Em carnavais passados, a Fundarpe - quando ainda estava sob o comando de Luciana Azevedo - resolveu promover um debate preparatório sobre a participação do Estado na promoção do carnaval do Recife.

Para este evento, foram convidados vários palestrantes ora vinculados à universidade ora ao meio artístico.

Entre estes, estava o professor Severino Vicente, que se saiu com um achado surpreendente: o Carnaval do Recife era um misto de “brega” com “nobrega”, ou seja, nem era só brega nem era nobre…ga.

No carnaval seguinte, enquanto a Prefeitura entregava um cheque em branco para Lenine convidar suas musas para um show particular, Antonio Carlos Nóbrega dava uma entrevista ao caderno C do JC, afirmando a necessidade de uma transformação do carnaval, que, segundo ele, estava dominado por estereótipos e convenções tradicionais e pseudo-populares.

Era preciso renovar o Carnaval.

A trajetória artística e carnavalesca de Nóbrega é emblemática do percurso que realizam vários artistas independentes, autônomos e criativos.

Nóbrega abandonou a Universidade para se tornar um criador cultural inspirado em raízes eruditas, sem perder sua relação com o povo, as sugestões do imaginário e do gosto popular.

Fez parte do quinteto armorial, criado pelo escritor “pernambucano” Ariano Suassuna, e depois seguiu carreira solo.

Certa vez, o encontrei no Rio de Janeiro aprendendo a dançar capoeira.

Estudioso e sério como era, tornou-se um artista singular no ambiente da cultural popular de raízes, fazendo uma síntese entre o erudito e o simples.

Ficou famoso através de seus espetáculos, a ponto de A Folha de São Paulo lhe dedicar muitas reportagens na Folha Ilustrada.

Aí veio a indústria cultural e tomou conta de nosso artista.

A partir daí, Nóbrega tornou-se uma celebridade de aldeia.

Virou figurinha carimbada no carnaval do Recife e nas vinhetas de televisão alusivas ao folguedo momesco.

Deixou de ser uma referência culta na área da criação cultural-popular e tornou-se um “garoto propaganda” do carnaval do Recife, mais um estereótipo, um “reader make”, como o Caranguejo com antenas, dos mangueboys.

A estrela do artista começou a ser ofuscada por outros artistas - não tão bons como ele - mas de apelo pop e consumível pela grande massa.

Foi quando se fez ouvir a voz da crítica do velho Nóbrega pedindo mudanças no carnaval do Recife.

A pergunta que resta sem uma resposta clara é: será que o carnaval do “Galo da Madrugada” mudou tanto assim que o antigo artista experimental e erudito tenha aceito se tornar “a marca” do carnaval deste ano?

Ou mudou o artista, com o peso da idade e do esquecimento?

PS: Lembrar que, segundo a Prefeitura do Recife, o carnaval é o seu principal produto turístico a ser vendido aos visitantes estrangeiros.

E que os artistas voluntária ou involuntariamente se vendem ou são vendidos junto com o produto e a gestão municipal que o promove.