Por Antônio Tide, conselheiro seccional da OAB-PE e secretário geral da Comissão de Defesa, Assistência e Prerrogativas do Advogado da OAB-PE O Estado Democrático de Direito, de modo geral, foi implementado para que cada cidadão pudesse ter garantido o respeito aos direitos fundamentais, calcado principalmente no Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.
Tal conformação social se opôs às monarquias absolutas de direito divino e às ditaduras, tendo o advogado como figura indispensável à administração da justiça, uma vez que fala pelo cidadão, perante os órgãos estatais.
O advogado, como diria o sábio, é aquele que clama sem cessar. É importante fazer o registro que, em tempos passados, soberanos subjugavam os cidadãos a sua vontade e apenas essa era “a lei”.
Com o passar dos séculos e vencidas muitas guerras ao redor do globo, modificou-se, de modo majoritário, a referência do poder.
Na maior parte do planeta, hoje entende-se que todo o poder, como consta no parágrafo único, do artigo primeiro de nossa Constituição Federal: “emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.
Não se deve, por óbvio, afastar-se dessa ordem estrutural do Estado Democrático Brasileiro, sob pena de desnaturar-se a própria essência da sociedade moderna.
No campo das relações sociais, diretamente refletidas na ordem econômica e jurídica, percebeu-se a mudança de paradigma.
O estado de bem estar social deu lugar ao Neoliberal (ou a retomada do liberalismo clássico), tendo como um de seus pilares a implantação de um Estado Mínimo.
Esse, por sua vez, preconiza a não-intervenção em favor da liberdade individual e da concorrência entre os agentes econômicos, pressupostos da prosperidade econômica.
Basicamente, caberá ao Estado garantir a ordem, a legalidade e concentrar seu papel executivo naqueles serviços mínimos necessários para tanto: policiamento, forças armadas, poderes executivo, legislativo e judiciário.
A evolução das relações sociais se deu de modo muito mais rápido do que as autoridades públicas poderiam prever.
O Estado, diante de tal ineficácia, na contramão do que prega o Estado Mínimo e objetivando transmitir à sociedade o falso sentimento de segurança, editou leis que criminalizaram diversas condutas, não violentas, ligadas às áreas de meio ambiente, finanças, tributos, cibernéticas, dentre outras, a fim de “manter o controle social”.
Nessa toada, muitas garantias dos cidadãos passaram a ser ameaçadas, no momento em que políticas públicas de educação e lazer foram preteridas pelos investimentos em segurança, pois as estatísticas indicaram a necessidade do combate aos crescentes índices de violência.
A ânsia em reduzi-los deve ser louvada e estimulada, claro! É primordial, inclusive, que todos os setores da sociedade, participem dessa luta, que é de todos.
Entretanto, a redução da violência de qualquer maneira, pode custar a produção de mais violência contra os direitos humanos e isso não pode ser tolerado.
Operadores do direito, sobretudo na seara criminal, têm observado no Brasil o endurecimento do sistema e já se nota, desde os cidadãos mais humildes aos mais esclarecidos preocupação com expansão do direito penal e a crescente onda de decisões genéricas, baseadas no clamor social.
Anote-se que, desde que o mundo é mundo, a vontade do povo vem sendo usada para amparar tudo o que os poderosos desejam.
A indeterminação de quem seja o povo e sua vontade deram margem às piores barbáries ocorridas ao longo dos séculos.
Basta dizer que o próprio Cristo, filho de Deus, foi “escolhido” para ser crucificado no lugar de Barrabás, pela vontade popular.
Quem detém, ou melhor, quem mensura o que seja a vontade popular?
A resposta é simples: não há como saber ao certo.
A fim de minorar a subjetividade do que se entenda por vontade popular, devem existir leis claras e objetivas, preservação de garantias constitucionais e observância ao devido processo penal.
Para tanto, deve-se fortalecer a advocacia, já que esse profissional dá voz ao cidadão.
Somente assim o cidadão terá segurança de que o Estado está sendo utilizado em benefício de sua felicidade e não ao contrário, já que o Estado, de modo diverso do que ocorria em antanho, não pode ser personificado na figura de nenhum soberano.
Inegavelmente, muito já se avançou, mas as dificuldades e ameaças aos cidadãos se renovam.
Registre-se o elogio aos esforços de toda a sociedade personificada nos movimentos sociais, partidos políticos, integrantes do judiciário, legislativo, executivo, ministério público, OAB e ordens religiosas.
Isso, no entanto, não garante que sempre se acerta, daí a importância de caminhar-se juntos, dialogando com os poderes constituídos, a fim de que o cidadão consiga concretizar os mínimos direitos sociais.
Nessa busca, as prerrogativas profissionais dos advogados aparecem não como um privilégio a uma classe ou a uma profissão, mas como a mais solene garantia de que os cidadãos terão respeitados seus direitos diante das autoridades públicas.
O contraditório, a ampla defesa, a presunção de inocência e o devido processo legal só se concretizam com a atuação do advogado, com uma advocacia ética e forte.
Sem ela, o Estado sucumbe e o cidadão perece.
Alguns desafios para a cidadania podem ser lembrados e valem a pena de serem abraçados pela comunidade, a saber: 1- Acesso irrestrito e sem prévio peticionamento aos autos do inquérito policial ou processo judicial antes de ser ouvido perante as autoridades públicas (inclusive com a possibilidade de carga rápida conferida ao advogado); 2- direito do preso a se comunicar de forma reservada e pessoal com seu advogado (parlatórios efetivamente individualizados); 3- recebimentos de denúncia crime, decretações de prisão e condenações devidamente fundamentadas; 4- restabelecimento da ampla aplicação da ação de Habeas Corpus em tribunais superiores; 5- horário de funcionamento de fóruns e tribunais integrais; 6- possibilidade de peticionamento em papel, de forma subsidiária ao eletrônico; 7- celeridade nos julgamentos; 8- propositura obrigatória, pelo próprio Estado, de ação de responsabilização pessoal das autoridades públicas, que abusarem do poder ou que causarem danos a cidadãos, por propositura de inquéritos/processos infundados (atípicos); 9-criminalização das violações às prerrogativas profissionais; 10- preservação da imagem dos acusados até efetiva condenação criminal com trânsito em julgado; 11- necessidade de provas lícitas aptas a embasar condenações criminais.
Não é ocioso lembrar que, agora, o Estado serve ao povo e os governantes (legislativo, executivo e judiciário) têm como dever garantir os direitos fundamentais do cidadão.
Apesar dos citados desafios, o cidadão brasileiro pode se animar, o Brasil está no caminho certo.
Os desafios são propulsores da mudança e a sociedade deve lutar por isso, sobretudo, porque o ministro e decano do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello consignou, num livro de dois brilhantes e valorosos advogados paulistas, cujo tema é o das prerrogativas profissionais, o que pensa a mais alta corte de país sobre o tema: Na realidade, as prerrogativas profissionais dos advogados representam emanações da própria Constituição da República, pois, embora explicitadas no Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906/94), foram concebidas com o elevado propósito de viabilizar a defesa da integridade das liberdades públicas, tais como formuladas e proclamadas em nosso ordenamento constitucional.
Ou, em outras palavras, as prerrogativas profissionais não devem ser confundidas nem identificadas com meros privilégios de índole corporativa, pois destinam-se, enquanto instrumentos vocacionados a preservar a atuação independente dos advogados, a conferir efetividade às franquias constitucionais invocadas em defesa daqueles cujos interesses lhes são confiados.
Desta feita, repise-se, parafraseando o ministro Marco Aurélio, do STF, os fins não justificam os meios e o preço que se paga para viver em democracia é módico.
Não sendo ocioso lembrar que, todo poder emana do povo e em seu benefício deve ser usado.