Por Miguel Sales Promotor de Justiça aposentado Especial para o Blog de Jamildo Nos últimos anos, nos meados de janeiro, não mais se apresenta pelas ruas de Recife a peça O Calvário de Frei Caneca, de José Pimentel, baseada numa obra de Cláudio Aguiar, também de título assemelhado.
Dizem que tal espetáculo ambulante fechou as suas cortinas para o povo por falta de patrocínio da Prefeitura do Recife, embora essa, antes, sempre investiu pesado no Recife-Folia, e, agora, continua a manter, por exemplo, os dispendiosos festejos de fim de ano, para não se falar nas gastanças nos dias de Carnaval.
Esses eventos, é certo, embeleza a cidade, tão tingida de violência, e dar fôlego - e como! - ao comércio, ante o anseio consumista de muitos.
De qualquer modo tal desejo, no tocante ao Natal, revela um sentimento contraditório, pois o Cristo, ao nascer numa manjedoura, veio até nós sobre o manto da simplicidade, e como momento de reflexão, que não se pode confundir com os atropelamentos dos shoppings centers da vida.
Mas, voltando à peça sobre Frei Caneca, esta, ao contrário, necessita apenas de um de pequena ajuda a fim de mostrar um dos episódios mais memorável de nossa história: a via crucis de um homem que em busca da liberdade participou de corpo e alma de duas revoluções, até ser fuzilado covardemente em 13.01.1825, por sentença mudada à última hora, pela tropa do Império, quando nem os carrascos ou os condenados a prisão perpétua ou à morte tiveram a coragem de enforcá-lo – apesar da promessa solene e certa de serem todos anistiados.
João Cabral de Melo Neto, com sua estética poética revolucionária, no seu célebre Auto do Frade, exibido nos palcos do Brasil inteiro, em um dos seus belos trechos, nos oferta a visão de Caneca ao ser sumariamente julgado: Sei que traçar no papel é mais fácil que na vida. / Sei que o mundo jamais é a página pura e passiva. / O mundo não é uma folha de papel receptiva: o mundo tem vida autônoma, é de alma inquieta e explosiva. / Mas o sol me deu a idéia de um mundo claro algum dia.
Para se conhecer esse mais famoso carmelita do Brasil, a melhor indicação é a leitura de suas próprias Obras Políticas e Literárias, reeditadas em 1972, graças ao empenho da nossa Assembléia Legislativa.
Sobre ele, se escreveu dezena de obras, valendo destacar, afora as citadas, A Gloriosa Sotaina do Primeiro Império, de Lemos de Brito, A Liderança do Clero nas Revoluções Republicanas, de Gilberto Carvalho, O Liberalismo Radical de Frei Caneca, de João Montenegro, Ensaios Universitários Sobre Frei Caneca, de diversos autores e Frei Caneca - Ensaios Políticos, editado pela PUC/Rio.
O Senado, em 1984, cumprindo a vontade do saudoso Nilo Coelho, em comemoração aos l60 anos da Confederação do Equador, também publicou, com introdução de Valmireh Chacon, um livro contendo todos os exemplares do jornal O Typhis Pernambucano.
Esse periódico, que circulou no Recife de 25.12.1823 a 05.08.1824, um pouco antes do nosso Diario, contém as principais ideias políticas de Frei Caneca.
Ele trazia duas evocações: uma, com o seu próprio nome, em referência à legendária expedição dos argonautas; a outra, no introito de todas as suas edições, a um dos versos de Camões, em Os Lusíadas - uma nuvem que nos ares escurece, sobre nossas cabeças aparece, talvez querendo enfatizar que o homem não pode ficar alienado da realidade de seu tempo.