Por André Singer Desta vez não foi preciso esperar junho.

Dois acontecimentos de tonalidades quase opostas, no início de ano futebolístico, tiveram o dom de mostrar ao mundo a formação estamental brasileira sob o manto da suposta igualdade civil.

Refiro-me à retomada dos irônicos “rolezinhos” em shoppings de São Paulo e ao macabro vídeo das decapitações no Maranhão.

O sentido ideológico das manifestações dos jovens da periferia nos centros de compras paulistanos é difícil de precisar.

Como fica claro em entrevista do antropólogo Alexandre Barbosa Pereira (brasil.elpais.com), elas contêm profunda ambiguidade.

De um lado, ao contestar a falta de áreas de lazer e a exclusividade de espaços semipúblicos para quem tem dinheiro, trazem demanda igualitária.

Por outro, ao expressar fascínio pelo universo da mercadoria, ajudam a reproduzir a desigualdade contestada.

Mas, ao menos numa dimensão, o movimento juvenil em torno dos locais de consumo traz recado claro e insofismável.

As meninas e meninos estão dizendo: “Nós existimos e queremos ter o direito pleno a participar desta sociedade, seja ela como for”.

Convencidos, por bons motivos, de que a vida social gira em torno da mercadoria, a garotada periférica se organizou para afirmar que não admite mais ser excluída desse círculo.

Embora quase impossível, se abstrairmos o que há de monstruoso na ação dos detentos maranhenses, há também ali um grito de desespero, uma maneira cruel e sanguinária de dizer que não é possível viver naquela situação excluída por completo do cânone civilizado.

Celas com 13 presos em espaço onde caberiam apenas quatro.

Galinha crua como refeição.

Cheiro nauseante de fezes, urina e comida estragada.

Foram tais amostras superficiais do inferno penitenciário que a Folha colheu em presídio de São Luís análogo ao do horrendo filme.

A organização dos presidiários em bandos que, na prática, controlam o cotidiano da prisão é a consequência óbvia de tais condições.

Sociedade de massas com um dos mais altos índices de detentos do planeta, o Brasil gera, quase que de maneira automática, redes criminosas que, uma vez formadas, funcionam como pequenos Estados dentro do Estado.

O problema é que são Estados tirânicos, onde a lei é simplesmente a do mais forte.

Tanto os “rolezinhos” paulistanos quanto as cabeças cortadas de Pedrinhas estão a lembrar a tarefa que o país da Copa do Mundo ainda tem diante de si: incluir, integrar, dar acesso universal aos benefícios que já foi capaz de produzir para uma parte da população.

Esvaziar presídios e encher praças vai exigir de nós bem mais do que terminar os estádios a tempo.