Por Élio Gaspari, da Folha de São Paulo Alguem está com um parafuso solto na diretoria da GM brasileira.

Ela é presidida por Jaime Ardila, um quadro da elite da empresa.

Ainda assim, na véspera do Ano Novo, mandou um telegrama a centenas de funcionários de sua unidade de São José dos Campos informando-os que estavam desempregados.

Podiam fazer isso na próxima semana, evitando o mal-estar na famílias das vítimas.

A medida não parece ter sido produto da pura malvadeza.

Parece coisa pior.

A montadora criou um fato social para pressionar o governo, que determinou o retorno gradativo da alíquota do IPI dos automóveis aos níveis de 2012.

As empresas temem uma queda nas vendas.

Segundo as montadoras, a volta do tributo poderá provocar um aumento médio de 2,2% no preço dos carros só com a mudança destes dias.

A coincidência de datas, com as demissões ocorrendo junto com restauração gradativa do IPI, sugere que nela está embutida a estratégia da tensão: você encarece meu carro, eu demito trabalhadores.

Nos próximos meses o retorno do imposto elevará a alíquota para 7%.

A GM está com um parafuso solto porque tem todos os argumentos para fechar uma de suas fábricas de São José dos Campos.

Outras sete da região continuarão funcionando.

A empresa investiu R$ 5,7 bilhões em quatro outras unidades e a carta das demissões estava no baralho desde janeiro de 2013.

Foram dadas férias coletivas e licença remunerada aos trabalhadores que agora perderam o emprego.

Nenhuma empresa pode ser obrigada a manter uma linha de produção que se mostrou inviável.

Ademais, segundo a montadora, suas fábricas de São José dos Campos têm um custo de produção elevado.

Até onde o sindicato dos trabalhadores finge surpresa, não se sabe.

Já o Ministério da Fazenda entrou no lance com a parolagem típica do doutor Guido Mantega.

Informou que um acordo com as empresas garantia que a elevação do IPI não provocaria alta nos preços, nem demissões de trabalhadores.

Se alguém fez esse acordo, entrou nele achando que o outro era bobo.

Ou ambos continuam tratando os consumidores como tolos.

Numa época em que o governo da doutora Dilma faz mágicas fiscais, assiste-se à ressurreição da lorota dos acordos com empresários, coisa comum ao tempo em que fabricava-se inflação.

As montadoras não querem que o retorno da alíquota do IPI reduza suas vendas.

Os consumidores também não querem carros mais caros, mas Brasília quer arrecadar, para gastar sabe-se lá onde.

Essa é a discussão verdadeira.

Demitir funcionários nos últimos dias do ano é chutar o cachorro manso.

As manifestações de junho mostraram que houve uma mudança nos sentimentos do andar de baixo.

O próprio doutor Ardila expôs a questão com clareza: “Não pedem a derrocada do governo.

Pedem melhores serviços públicos.

O que pode ser mais razoável?” A rua roncou contra governadores e prefeitos que subiram tarifas de transportes e mandaram a polícia cuidar do caso. (Geraldo Alckmin e Fernando Haddad foram para Paris, onde formaram uma dupla cantando “Trem das Onze” num ágape.) Salvo a ação de baderneiros, ninguém se mobilizou contra empresas.

A turma de parafuso solto da GM, bem como a guilda das montadoras desafiam um ato do governo desempregando trabalhadores às vésperas do Ano Novo.

Má ideia.