Por Antônio Geraldo da Silva O governo reconhece que ainda não entendeu o problema do crack.

A política pública não pode ser só internação compulsória Neste mês, o programa Crack, É Possível Vencer, do governo federal, completou dois anos.

No entanto, infelizmente, a vitória não é uma realidade.

Nem mesmo está próxima.

O ministro da Justiça disse que o programa foi o segundo em verbas aplicadas pela pasta da qual é titular.

A afirmação é assustadora, pois dos R$ 4 bilhões prometidos para o combate ao crack, apenas R$ 368 milhões foram de fato empregados.

Recente pesquisa da Universidade Federal de São Paulo estima em 2,8 milhões de usuários de crack em todo o país.

Esse número dobra a cada dois anos.

Afinal, como as autoridades estão enfrentando esta que já é a mais grave epidemia da história recente do Brasil?

Trata-se de uma derrota em três frentes: política, estratégica e de saúde pública.

Política porque, segundo deputados da base aliada da presidente Dilma Rousseff, apesar de o assunto ser prioritário, há resistência interna dentro do próprio governo que ela lidera.

O segundo escalão do Ministério da Saúde é contra o programa Crack, É Possível Vencer, inclusive defendendo a liberação das drogas.

No Ministério da Justiça, um secretário teve que deixar suas funções depois de declarações desastrosas acerca do assunto.

Uma torre de Babel: há uma corrente ideológica ligada ao governo que defende o contrário do que a presidente fala.

Se a articulação política é uma questão grave, a estratégia de proteção de fronteiras é ainda mais urgente.

O Brasil não planta uma única folha de coca.

Como então temos tanta droga circulando no país?

Depois que Evo Morales –pasme, presidente da confederação dos cocaleiros– assumiu a Presidência da Bolívia, a área plantada chegou a 25 mil hectares.

Sua política de liberar o plantio por lá criou um pico do consumo do crack por aqui.

Além disso, o Uruguai acaba de legalizar a maconha, sem ninguém ter certeza de como isso impactará na saúde e na segurança do país e, em última instância, do continente.

A maconha não é uma droga simples. É uma bomba de aditivos e componentes químicos que causam comprovados transtornos mentais.

Outros países que fizeram movimentos semelhantes foram obrigados a recuar.

A Suécia, por exemplo, é o país que mais reprime o uso de drogas e conseguiu eliminar a tempo a epidemia de crack que tomou conta do país logo após a malsucedida legalização das drogas.

O terceiro escorregão do governo ocorre no terreno da saúde pública.

A educação é capenga.

A Universidade de Michigan fez um estudo com a duração de 35 anos sobre o consumo de maconha nos Estados Unidos.

Nesse período, notaram que quanto maior a percepção do risco, menor o consumo.

Ou seja, informação é fator primordial.

Quando há informação cruzada –de que a maconha não faz mal–, aumenta o consumo e os números de dependentes.

Cerca de 37% dos jovens que usam maconha ficam viciados. É uma loteria cruel, especialmente com essa faixa etária, ainda não madura o suficiente para ter a dimensão das consequências dos seus atos.

E que não tem acesso às informações das verdadeiras ações deletérias dessa droga maldita.

Há uma incompreensão de que a dependência química é de altíssima complexidade.

Enquanto o tratamento do vício em crack no sistema privado é digno e obtém boa resposta, o dependente pobre está entregue à própria sorte ao despreparo da maioria dos serviços disponíveis na rede pública.

O governo reconhece que ainda não entendeu o problema do crack.

A política pública não pode ser só internação compulsória, pois parece apenas a preocupação em “limpar as ruas”.

Qual é a consequência do tratamento?

O que fazer com esses dependentes depois da internação?

Como reinseri-los na sociedade de forma produtiva?

Quais as diretrizes de tratamento?

A Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) já se colocou e se coloca à disposição do governo federal para esclarecer dúvidas e colaborar nas diretrizes a serem seguidas.

Até agora, nada.

Devem saber o que estão fazendo.

A única constatação possível é que o Brasil enxuga gelo quando o assunto é o combate ao crack e outras drogas.

ANTONIO GERALDO DA SILVA, 50, é presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP)