Por Evilasio Tenorio Como advogado e cidadão, acompanho com atenção o Projeto de Lei aprovado recentemente na Câmara de Vereadores do Recife, que visa obrigar que as empresas prestadoras de serviço público sejam obrigadas a embutir no subsolo da cidade toda a fiação existente atualmente em postes até 2015.
A lei não prevê qualquer contrapartida da Prefeitura do Recife para a realização desta obra de grande vulto.
Embora as justificativas para a edição desta lei sejam razoáveis, como profissional, vejo que a Prefeitura terá grande dificuldade para pôr isto em prática.
E a tendência é que esta Lei Municipal venha a ser derrubada, pela alegação de inconstitucionalidade.
Em casos semelhantes, registrados em outros estados brasileiros, vários Tribunais já se posicionaram no sentido de reconhecer que a determinação para o embutimento das fiações só poderia advir da União Federal, e que qualquer lei municipal ou estadual, sem a autorização prévia da União, seria inconstitucional.
Assim, para avaliarmos se este Projeto de Lei poderia “vingar”, devemos observar se existe alguma delegação prévia da União ao município do Recife, já que a Constituição Federal não lhe delega este poder.
No que diz respeito à prestação de serviços públicos essenciais, como energia elétrica, telecomunicações e saneamento, o artigo 22, IV, é claro no sentido de apontar que a competência para legislar é privativa da União Federal.
Na modalidade de competência privativa, a União é responsável por legislar sobre estes assuntos, e outros entes federativos (Estados, Municípios, etc.) só poderiam emitir qualquer norma se seguirem os limites do parágrafo único do mesmo artigo 22.
E não é o que acontece com este Projeto de Lei, que claramente invade a competência da União, impondo regras para a prestação de um serviço público cuja concessão e operação advém exclusivamente do Governo Federal.
E, até o momento, não existe qualquer lei complementar vinda de Brasília que delegue ao município do Recife, ou a qualquer outro, o poder para legislar sobre estes serviços públicos.
Muito embora a Constituição, no artigo 30, I, aponte que os Municípios podem legislar sobre matérias de interesse local, não é possível confundir-se o interesse local com a modificação de regras para uma concessão federal.
Não existe qualquer determinação federal que obrigue estas concessionárias de serviço público a embutirem suas fiações.
No caso da energia elétrica, por exemplo, a Resolução 414/2010 da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) prevê que, para que seja exigido o embutimento da fiação, o interessado – no caso, o Município do Recife – deverá arcar com os gigantescos custos desta obra (conforme o seu artigo 44), e não a concessionária.
Aqui já vemos, então, que o Projeto de Lei Municipal já está indo ao encontro de uma determinação regulatória.
O fato é que o Município do Recife está buscando determinar regras que envolvem a prestação de serviços públicos essenciais submetidos unicamente à aprovação da União Federal (ressalte que as fornecedoras de telefonia ou energia elétrica, por exemplo, recebem suas concessões para operar diretamente do Governo Federal, e não dos municípios ou estados).
E, certamente, o Judiciário reconhecerá esta inconstitucionalidade.
A polêmica sobre a necessidade de embutimento das fiações tem sido amplamente debatida no Recife, em função de registros recentes de mortes decorrentes de fios soltos nas vias públicas, e de como o excesso de cabeamento tem tirado a beleza de nossas ruas.
E, de fato, são pontos importantes, e que merecem ser observados.
Jamais questionaremos os benefícios do embutimento da fiação para a nossa população, mas assim como qualquer outro ato público, este deve ser pautado pela legalidade.
E, certamente, os argumentos utilizados, por si só, não são capazes de superar as determinações da Constituição Federal, que é a nossa lei suprema.
Embora louvável e digna de aplausos, a forma como este Projeto de Lei está sendo conduzido o levará ao iminente fracasso, e atrasará ainda mais a melhoria da qualidade de vida de nossa população, além do que levará a Prefeitura do Recife a uma batalha jurídica que lhe imporá uma derrota significativa.
Infelizmente, o Poder Público Municipal está buscando resolver o problema do embutimento da fiação da forma mais prática e conveniente possível, tomando um caminho impossível.