Proibir a participação de empresas no financiamento de campanhas não aprimora o sistema, que demanda mais fiscalização e transparência Em Editorial da Folha de São Paulo A ninguém ocorreria afirmar que doações eleitorais são presididas pelo mesmo princípio que governa ações altruístas; se nestas prepondera genuíno desprendimento, naquelas é o interesse –por vezes inconfessável– que impera.
Não se ignora que muitos doadores apenas querem auxiliar o candidato que pensam ser o mais adequado para o cargo –hipótese em que o interesse é legítimo.
No mais das vezes, contudo, uma quantia de dinheiro é oferecida durante a campanha com base na expectativa de que o postulante, se eleito, haverá de retribuir o favor.
Tal negociação espúria, por subverter os princípios da representação democrática, deve ser combatida –o que não é tarefa fácil, e os escândalos de caixa dois estão aí para demonstrá-lo.
Entende-se, pois, que exista certo consenso quanto à necessidade de alterar o financiamento eleitoral no Brasil.
Muitas das tentativas de fazê-lo, no entanto, pecam por confundir as doações justificáveis com aquelas ilegítimas e, no intuito de aprimorar o sistema, não propõem mais que a supressão de prerrogativas razoáveis. É o caso da ação direta de inconstitucionalidade que deve ser examinada hoje pelo Supremo Tribunal Federal –a Ordem dos Advogados do Brasil pede o fim das doações feitas por pessoas jurídicas.
Tal modalidade configuraria influência excessiva e deletéria do poder econômico na democracia.
Por seu peso, atentaria contra o republicanismo e o princípio da igualdade.
De resto, empresas não são cidadãs e não deveriam participar do processo eleitoral.
Logo se vê a confusão.
Nada há de errado em tentar influenciar a política.
O problema é fazê-lo às escondidas.
Desde que o cidadão possa saber quais interesses financiam determinada candidatura e desde que possa verificar se o eleito pauta suas ações pelos recursos que recebeu, não cabe condenar, a priori, doações de empresas.
Verdade que, em termos monetários, a influência de pessoas jurídicas –e cidadãos abastados– é muito maior que a dos demais.
Resolver tal distorção é simples: basta fixar um limite, em reais, às doações –hoje, a lei estabelece um teto percentual em relação à renda ou ao faturamento.
O financiamento eleitoral, mais difuso, seria também mais representativo.
O crucial, porém, é incrementar mecanismos de transparência e fiscalização.
Doações ocultas –ao partido, e não ao candidato– precisam ser proibidas.
Além disso, a prestação de contas deveria ser feita em tempo real, na internet.
Uma lei anacrônica como a atual, que permite a apresentação de recibos à Justiça Eleitoral até 30 dias após o pleito, é útil apenas aos interesses escusos.
Esse é o dispositivo que precisa mudar.