Por Maurício Bezerra, conselheiro da OAB-PE e presidente da Comissão de Defesa, Assistência e Prerrogativas do Advogado da OAB-PE O instituto da fiança criminal consagrado no artigo 5º da Constituição Federal é garantia do cidadão que, nos casos em que a lei admite, mantém-se em liberdade mediante o pagamento de valor em dinheiro por ocasião da prisão em flagrante.
A fiança está elencada no capítulo das medidas cautelares do Código de Processo Penal (CPP) e, com a inovação trazida pela Lei 12.403/11, a autoridade policial deverá arbitrar nos casos em que a pessoa é acusada de infração, cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a quatro anos.
Os valores estabelecidos pela lei podem ser fixados de um a 100 salários mínimos, quando se tratar de infração cuja pena privativa de liberdade, no grau máximo, não for superior a quatro anos.
De 10 a 200 salários mínimos, quando o máximo da pena privativa de liberdade cominada for superior a quatro anos.
No entanto, no mesmo dispositivo legal, art. 325 do CPP, há previsão dependendo da situação econômica do preso, que a fiança poderá ser dispensada, reduzida até 2/3 ou até mesmo aumentada.
Pois bem, na prática, em determinadas situações, a aplicação da regra legal tem servido como instrumento de humilhação ou até mesmo de perseguição e retaliação ao preso.
Na sistemática anterior à Lei 12.403/11, a autoridade policial podia conceder fiança nos casos de infração punida com detenção ou prisão simples.
Com a modificação legislativa, a regra é outra, o critério é a quantidade de pena máxima para a infração.
Recordo-me que com a sanção da lei em 04 de maio de 2011, formou-se uma grande discussão na sociedade, sendo o assunto objeto de audiência pública na Seccional da Ordem dos Advogados de Pernambuco (OAB-PE), pois o senso comum era de que todos os encarcerados acusados de crimes cujas penas se enquadrassem nas novas regras seriam automaticamente postos em liberdade.
Acrescente-se que além da fiança, objeto dessas breves linhas, estabeleceram-se também outras medidas cautelares diversas da prisão que, por ora, não abordaremos.
Para os mais otimistas, à época, a lei reuniu bons elementos para se tornar uma divisora de águas entre um anacrônico processo penal punitivista e um renovado processo penal, mais democrático e garantista.
Voltando a questão da fiança, não tem funcionado assim, algumas autoridades policiais que, desprezando o espírito da lei, têm se utilizado do instrumento legal para estabelecer prisões desnecessárias por motivos certamente não muito nobres.
Posso citar pelo menos dois casos, que demonstram esses abusos.
O primeiro no qual patrocinei a defesa e o segundo publicado na imprensa, nos quais a mesma autoridade policial, com atuação em uma delegacia da Região Metropolitana do Recife, em completo abandono da razoabilidade, e total desprezo pela dignidade da pessoa humana, arbitrou fianças questionáveis.
O que no primeiro caso, foi cobrada uma fiança no valor de R$ 50.850,00 (cinquenta mil, oitocentos e cinquenta reais), como condição de liberdade para um cidadão autuado em suposto flagrante no mês de março pretérito por cometimento dos crimes de lesão corporal (art. 129), constrangimento ilegal (art. 146) e ameaça (art. 147), todos do Código Penal, com previsão de penas inferiores a quatro anos de detenção, cujo cumprimento se daria necessariamente no regime aberto, na hipótese de sentença condenatória com trânsito em julgado.
Sem muito esforço, se percebe o exagero das acusações, pois fossem verdadeiras, um crime excluiria o outro.
Utilizou-se o delegado do exacerbado número de tipificações e do valor da fiança para conduzir ao cárcere um rapaz pobre cuja renda mensal comprovada nos autos do processo é de um salário mínimo.
No outro caso, poucos meses depois, esse mesmo delegado, numa operação policial que prendeu cinco rapazes, ao que me parece de classe média, acusados de venda ilegal de anabolizantes e suplementos alimentares com venda proibida pela ANVISA.
Ele também apreendeu grande quantidade desses produtos, que eram anunciados pela internet e vendidos na Capital e Região Metropolitana, cujo valor estimado era de dezenas de milhares de reais, e arbitrou para cada autuado fiança no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais).
Dizia a autoridade policial que no decorrer das investigações aquelas pessoas poderiam responder pelo de crime de tráfico de drogas, conduta bem grave.
Mérito que preferimos não adentrar nesta oportunidade.
Vê-se, portanto, que o preceito legal em determinadas situações pode ser utilizado para constranger ou prejudicar o cidadão ou de outro modo amenizar os constrangimentos.
Faz-se necessário, talvez, modificação legislativa com o objetivo de estabelecer critérios objetivos para arbitramento da fiança criminal, considerando sempre a gravidade das condutas e o perfil dos acusados, e mais celeridade e comprometimento dos juízes na apreciação e decisão em casos semelhantes, o que no caso aqui reportado não se deu.