Carlos Augusto Sant’Anna Guimarães, cientista social e pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco Há dez anos foi aprovada a modificação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que por meio da Lei Nº 10.639/03 tornou obrigatória a inclusão do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana nos currículos escolares de escolas públicas e particulares do Brasil.
Em 2008, a Lei 11.645/08 acrescentou a obrigatoriedade da História e Cultura dos Povos Indígenas.
Descortinaram-se novos horizontes para a educação brasileira.
A determinação legal do ensino da história e das lutas dos africanos e afro-brasileiros é resultado da luta dos movimentos negros contra o racismo existente na sociedade brasileira.
Uma luta pelo direito de que todos possam conhecer a história e a cultura dos povos africanos e seus descendentes no Brasil, assim como da população indígena.
Ou seja, a história desses outros povos que também construíram o Brasil.
Entretanto, apesar da legislação, em Pernambuco, os governos municipais e o estadual pouco têm feito para a sua implementação.
Embora existam alguns professores e gestores que tentam vivenciar a lei em suas escolas, também existem escolas inteiras que nunca ouviram falar sobre ela.
Em pleno século XXI, na cidade do Recife, muitas pessoas ainda se assustam ao ver um negro na rua; seguram fortemente a bolsa e muitas vezes mudam de calçada.
A cidade e o Estado são impregnados de racismo.
Por sua vez, o ambiente escolar não está protegido dessa chaga.
Muitos casos apontados como de bullying , não passam, na verdade, de racismo e discriminação.
Muitas crianças e adolescentes são submetidas a humilhações cotidianas em função da sua cor ou religião.
As principais vítimas são as meninas e os meninos negros e praticantes das religiões de matriz africana e afro-brasileira.
Estudos do Ministério da Educação apontam que práticas discriminatórias pioram o desempenho dos alunos.
Não pode haver qualidade na educação enquanto existirem práticas racistas e discriminatórias no ambiente escolar.
A democracia não floresce onde uma parte da população é discriminada e excluída do acesso à riqueza e à educação pela simples razão da cor da sua pele e/ou da religião que professa.
O ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana é um passo importante no combate ao racismo, preconceito e discriminação racial e religiosa na escola, no particular, e na sociedade, de modo geral.
Precisamos transformar a escola de local de bullying e preconceito em um espaço de convivência harmoniosa entre as diferentes matrizes culturais que compõem o Brasil.
A formação dos professores é um ponto fundamental para o sucesso da implementação das leis 10.639/03 e 11. 645/08.
O Estado tem o dever de garantir educação de qualidade para todos.
A qualidade da educação somente se fará verdade com mudanças nas práticas pedagógicas ainda existentes que privilegiam tão somente um grupo étnico-racial, o europeu e, ao mesmo tempo, menospreza e deprecia a história dos povos africanos e indígenas na constituição do Brasil como nação.
O desenvolvimento de novas práticas pedagógicas que contribuam para a configuração de uma educação antirracista é responsabilidade das redes de ensino juntamente com as universidades.
O desafio é formar um professor que conheça, valorize e construa conhecimentos e valores democráticos e antirracistas para crianças, jovens e adultos.
O Estado é laico e, como tal, deve possibilitar que todos os brasileiros conheçam as histórias dos diferentes povos que erigiram o Brasil e também garantir a liberdade religiosa de todo e qualquer cidadão, a fim de que possa praticar sua religião, qualquer que seja ela.
Escola e professores não podem discriminar nem deixar que discriminem estudantes, funcionários e demais professores por conta das práticas religiosas de cada um.
A construção de uma sociedade efetivamente democrática é tarefa de todos.
Para tanto, se faz necessário que todos os cidadãos e cidadãs dos diferentes grupos étnico-raciais sejam reconhecidos e valorizados como agentes responsáveis por essa edificação.
Onde há racismo e intolerância religiosa não existe democracia.