Foto: Bobby Fabisak/JC Imagem Por Pedro Henrique Reynaldo Alves, presidente da OAB/PE Neste dia 18 de novembro teremos o início da sessão do júri dos acusados pelo assassinato de Manoel Mattos, pela Justiça Federal da Paraíba, o primeiro caso da justiça brasileira de deslocamento de competência, motivado para assegurar a investigação e o julgamento eficiente e isento de um crime cometido contra um reconhecido defensor dos direitos humanos.

Advogado, militante dos direitos humanos e Vereador, Manoel Mattos ousou denunciar publicamente a ação de grupos de extermínio em uma das áreas mais violentas de nosso Estado, nas cidades de Itambé e Pedra de Fogo, fronteira com a Paraíba, onde o império da lei é ignorado por aqueles que impõem a força pela violência em uma espécie de faroeste, ambiente semelhante ao que vitimou mais recentemente o Promotor de Justiça Thiago Farias na cidade de Itaíba/PE.

Já sofrendo ameaças, passou a denunciar que estaria marcado para morrer, para um Estado impotente e incapaz de garantir a segurança mesmo daqueles que, como ele, se encontrava em perigo justamente por postular a mudança desse estado de coisas, clamando pelo respeito aos direitos humanos mais essenciais de parcela vulnerável da sociedade, constituída de trabalhadores rurais, amordaçada pelo medo imposto pelos novos coronéis e seus pistoleiros de aluguel.

No dia 29 de janeiro de 2009, mesmo após fugir de emboscadas e ser submetido à escolta policial, Manoel Mattos foi finalmente alvejado por seus algozes, na praia de Pitimbu/PB, cumprindo a sina daqueles que desafiam o poder paralelo e marginal ainda em vigor em tantos rincões do Brasil.

Martirizado, ele entrou no rol de tantos outros líderes que sucumbiram na luta por justiça e pelos direitos humanos, como Chico Mendes, irmã Dorothy, cacique Chicão, dentre outros, para vergonha de nossa nação.

A reação da OAB/PE a tão trágico desfecho foi imediata.

Então presidida por Jayme Asfora, nossa instituição se colocou ao lado dos familiares e amigos da vítima em franca campanha para que sua morte não fosse em vão, cobrando providências das autoridades públicas para uma investigação e punição exemplar.

Foram muitos os eventos, reuniões, notas públicas, audiências nos quais a Ordem cobrou, como vem cobrando justiça, juntamente com outros órgãos e instituições como o Ministério Público, Dignitatis, Gajope, Justiça Global dentre outros, merecendo destaque a atuação incansável dos advogados Maurício Bezerra, Marcelo Santa Cruz e do professor Manoel Moraes, todos sob a corajosa liderança de Jayme.

Dando sequência à importante atuação da OAB/PE no caso, o sucessor de Jayme e atual Conselheiro Federal da OAB, Henrique Mariano, teve um papel decisivo para que o processo de investigação e julgamento do assassinato de Manoel Mattos se tornasse o primeiro caso no País de acolhimento de um IDC – Incidente de Deslocamento de Competência, acompanhando e despachando pessoalmente o feito junto ao Superior Tribunal de Justiça, sob a Relatoria da Ministra Laurita Vaz, o que já revelou uma grande vitória em si mesmo.

De acordo com a lei, bem aplicada pelo STJ ao caso, justifica-se o deslocamento da competência jurisdicional para Justiça Federal em casos de grave violação aos direitos humanos, capaz de suscitar a responsabilização do País por organismos internacionais (a ONU já havia determinado ao Brasil providências para assegurar a proteção de Mattos), sempre que os órgãos estaduais competentes não se mostrarem aptos e prestar a jurisdição de forma eficiente e isenta.

Espera-se que com este pioneiro precedente no STJ, aquela Corte modifique seu entendimento até então em vigor, que inacolheu pedidos como o IDC do caso da irmã Dorothy, sob o argumento formal de que só caberia descolar a competência em caso de flagrante inércia das autoridades estaduais, o que não é o espírito da norma.

Foi a primeira vitória significativa, que embora nascida de fato tão trágico, vem a fortalecer a luta por direitos humanos em nosso país, onde nossas instituições e o próprio sistema de justiça vacilam diante do poder político em algumas províncias, onde a força do dinheiro ou da “bala” (plata ou plumbo) insiste em se sobrepor à lei.

Hoje estamos iniciando outra importante fase do processo, com o júri popular, presidido pela Justiça Federal da Paraíba, dos executores do crime, mas não descansaremos enquanto não identificarmos e levarmos ao banco dos réus, o(s) mandante(s) desse bárbaro homicídio, que vitimou não apenas Manoel Mattos, mas também minou a esperança de todos os trabalhadores rurais por ele defendidos, pelo que continuaremos ombreados com dona Nair Ávilla – mãe de Manoel – em sua luta heróica por justiça, e com isso possamos ter a certeza que sua vida não foi sacrificada em vão.