Foto: Agência Brasil Por Ayrton Maciel, jornalista, especial para o Blog de Jamildo Na política (ruim), como nas relações de casais esgarçadas, nada precisa ser claro, porque é a prática que induz à conduta.

As falácias escondem, a retórica pode persuadir (não necessariamente por clareza).

Deixando os neologismos recentes de lado, que emergiram associados à habilidosa retórica da ex-senador Marina Silva (AC), em paralelo ao grande fato político de 2013 - a sua filiação e a aliança tática da Rede Sustentabilidade com o PSB do governador Eduardo Campos -, as expressões enigmáticas e a áurea messiânica incorporadas a declarações recentes das duas lideranças políticas brasileiras são exemplos da virtude de dizer tudo o que se quer ouvir (imagine-se o povo), sem (se) ser claro no que se fala.

A capacidade de dominar uma retórica (essa que está dita) é uma virtude política, não precisamente boa.

Desde o anúncio da “unidade programática” pelo saneamento moral da política, episódios de busca de unidade de retóricas, que deverá produzir uma simbiose dos programas partidários em torno de uma proposta unitária - um, o do PSB, com 70 anos, pode se dizer “ultrapassado”, pois ainda propõe a estatização dos meios de produção; o outro, o da Rede, baseado na sustentabilidade ambiental -, vêm se sucedendo de forma midiática e conteúdo de factoide.

Nesse movimento social-sustentacionista, por proposta para o País, múltiplos têm sido os sinais de tentativa de unidade de retóricas.

Marina e Eduardo têm sido hábeis em impressionar, mas cadê “dona clareza”?.

Esta semana, o renomado e conservador jornalista Elio Gaspari, em artigo na Folha de São Paulo, cobrou conteúdo nessa “misturo de tudo com um pouco de cada”, numa definição pragmática: “muita farinha, falta carne”.

Nesses 30 dias de aliança “programática”, que mexeu com a mesmice da política nacional, escutou-se alguns desses rascunhos de futuro programa de governo, resumidos em novas expressões: “novo padrão civilizatório”, “metabolização (do antagônico e do contraditório?)”, “democratizar a democracia”, “inclusão cidadã”, “novo modelo de governabilidade (por afinidades programáticas, não por distribuição de feudos”, “não ganhar perdendo”, “vencer o que está ultrapassado (se está ultrapassado, o que há para ser vencido?)”, “novo padrão de serviço público (Estado mínimo?

Privatizando ou terceirizando?)”, “salto de qualidade da política (sem reforma?)” e “visão estratégica para as próximas décadas (quantas?

E por que só essas?

Afinal, o País está diante do que nunca se pensou)”.

Sem choque de realidade, uma viagem assim é capaz de parar o País.

Nada é claro, nada é sólido e tudo se transforma com a maior facilidade. É o “enrolation brother”, o irmão enrolada***.

Situações históricas, no País, como a que começa a se vestir, não é novidade.

Haverá sempre quem vai pregar o novo, uma nova política, que obviamente será conduzida por quem a prega.

Num tempo não muito distante, alguém se colocou como o novo, o antídoto aos políticos tradicionais que o eleitor brasileiro pretendia aposentar da vida pública pelas urnas.

Marina e Eduardo podem ser apresentar como “o novo”, mesmo que tenham 30 anos de vida política, convivendo com a práticas da qual se isentam.

Qualquer um (a) pode se apresentar como “o novo”, mesmo que seja velho.

No projeto que se avizinha, Marina e Eduardo buscam ajustar retóricas, programas partidários e novas expressões, conceitos, adotar neologismos.

O novo não pode compactuar com o velho.

Então, só cabem aí, na aliança programática e estratégica, as retóricas de ruptura.

Nessa simbiose, seria possível, hoje, apontar a quem pertence - Marina ou Eduardo - cada uma das colocações abaixo (**as respostas estão no final): a) …é necessário que se estabeleçam alianças em torno de um ideal, em torno de um projeto consistente de reconstrução nacional. … uma aliança que possa implementar as reformas e as transformações que o País necessita; b) …aliança não em troca de qualquer coisa, não transacionando qualquer coisa; c) …são necessárias a obstinação, a decisão e a coragem de poder reduzir esse Estado a um tamanho que permita a ele ser eficiente…; d) …hoje, o que está acontecendo é que a falta de referências na sociedade faz com que haja os embates entre classes sociais…; e) …melhorar a qualidade de vida da população brasileira (…) significa viver numa sociedade com a inflação baixa, com os salários recuperados de acordo com esse índice baixo de inflação, mantendo a sua condição de compra…

O que falta é a decisão, a determinação e a coragem de promover essas reformas; f) …um imposto internacional sobre poluição, ou seja, a ONU coordenaria esse trabalho e aplicaria esse imposto sobre os países que estivessem poluindo de qualquer forma e com qualquer origem o nosso ecossistema; g) …o espaço para quem vai representar a esperança de dias melhores, as mudanças, está em aberto… h) …é a resposta que a sociedade dá a uma classe política que, numa parte dela, teima em fazer da atividade política uma profissão vil, ao invés de uma atividade nobre. É a resposta que a sociedade civil está dando aos partidos políticos que desprezaram os seus programas…

A Rede e o PSB podem querer apresentar-se como uma alternativa ao que aí está (governo, Estado, política, sociedade), mas vão precisar de conteúdo e clareza.

Em críticas e propostas.

Sem isso, vão estar propondo uma aventura ao Brasil.

O discurso da nova política e de novas práticas, do enterro da política velha e do mais e do melhor não vai se sustentar como um balão, porque Eduardo e Marina estiveram por dentro do que aí está (e criticam) e têm a cota de responsabilidade sobre o que discordam.

Não será fácil jogar o passado no lixo da história.

Para o projeto ter sustentação, não basta só farinha.

Vai precisar de carne, pimenta, azeite e sal. ** As colocações não pertencem a Eduardo nem a Marina, exceto o item “g”, frase inserida por Eduardo em declaração sobre as manifestações de ruas de junho.

Os demais itens são de autoria de Fernando Collor de Mello, em entrevista ao Roda Viva - Eleições de 89, TV Cultura de São Paulo, e retratam a facilidade de se falar sobre o novo. *** Enrolation brother é um (a) personagem de ficção.

Diz-se da extrema capacidade de convencer, mas sem explicar.