Fernando Duarte, esta é a reportagem que lhe falei, em evento público, na sede provisória do governo do Estado.

Não desista de seu sonho.

Um abraço e boa sorte.

TESTAMENTO João Cabral queria descansar no Alto do Trapuá por JAMILDO MELO, no Caderno C de 15 de novembro de 1999 O poeta pernambucano João Cabral de Melo Neto, morto aos 79 anos, há um mês, amava tanto sua terra natal que gostaria de ser enterrado no alto da Serra do Engenho Trapuá, em Tracunhaém, a 60 Km do Recife.

O próprio poeta manifestou o desejo, por escrito, em 22 de abril de 1968, em carta remetida da Espanha ao dono do engenho, o conterrâneo e amigo João da Costa Azevedo, falecido em 1985.

João Cabral tinha então 48 anos de vida.

Na correspondência, enviada a título de agradecimento pela permissão que recebeu para ser enterrado na esplanada do alto do Engenho Trapuá, o poeta explica os motivos do pleito com a revelação de sua paixão pela beleza da Zona da Mata. “Considero um privilégio para qualquer pernambucano ser sepultado numa posição daquelas, de onde se tem a impressão de descortinar toda a paisagem pernambucana”, escreve o poeta. “No meu caso particular, de pernambucano e escritor, esse privilégio é ainda maior, pois me permitirá ser enterrado no preciso limite entre duas zonas de nosso Estado que marcaram determinantemente minha formação e são paisagens freqüentes em meus livros”.

Vista pela ótica do forasteiro, a terra que encantou os olhos do poeta fica no alto de uma colina, cercada por um clima bucólico.

A pequena igrejinha instalada no alto da Serra, apesar do precário estado de conservação, é uma evocação à poesia.

O sino da capela traz gravados os nomes João e Lourdes, em homenagem à esposa de João da Costa Azevedo, Maria de Lourdes.

A igreja foi inaugurada em maio de 1950.

O poeta João Cabral havia recebido o aviso da aceitação do seu insólito pedido em uma carta assinada por Costa Azevedo um mês antes, em 12 de março de 68. “O compromisso é irreversível”, diz o industrial, na carta enviada ao diplomata, comunicando oficialmente que havia concordado com o pedido. “Pode desde agora V.Excia considerar seu o local que ali no Alto da Serra lhe receberá generosamente, na eventualidade do seu falecimento”, acrescenta.

O pedido de permissão feito por João Cabral foi intermediado pela sua amiga e parente Maria Helena Cabral da Costa, casada com o primo Túlio Cabral da Costa, falecido em outubro do ano passado.

Maria Helena era amiga pessoal da primeira mulher do poeta, Estela.

Túlio era um dos membros da família que controla a Usina Pumaty.

O outro primo de João Cabral e irmão de Túlio, Romero Cabral da Costa, ex-ministro da Agricultura no governo Jânio Quadros, em 1961, empregou o diplomata pernambucano como chefe de gabinete em sua pasta.

Cabral era agregado aos quadros do Itamaraty desde 45.

PALAVRA DE HONRA - A promessa feita ao poeta João Cabral poderia, no entanto, ter sido quebrada com a venda do engenho, em 1974.

Os homens de antigamente tinham palavra, felizmente.

O engenho Trapuá - comprado por João da Costa ao tio Olintho de Souza Azevedo - foi vendido em novembro daquele ano ao grupo Petribu, mas o usineiro João da Costa Azevedo foi tão fiel à promessa que, em carta assinada em 13 de novembro de 74, apelou ao amigo e empresário Paulo Petribu para que mantivesse a particularidade, informando que havia esquecido de mencionar o compromisso antes da venda. “O João Cabral é um acadêmico, um imortal, uma figura hoje, do maior relevo, a qual, como pernambucano, honra a nossa terra”, justificou. “Peço pois ao amigo que se enquadre nesse solene compromisso que assumi”, apela João da Costa Azevedo.

O comprador das terras do Engenho Trapuá, o usineiro Paulo Petribu, mesmo frisando, em tom bem humorado, não entender como um imortal se preocupava com uma questão tão terrena, concordou com a reserva do latifúndio para o poeta, numa carta datada de 6 de dezembro de 1974.

O caminho, portanto, continua aberto para que os restos mortais do poeta sejam transferidos para o Engenho Trapuá, desde que haja concordância da família.

O menino João Cabral, como é sabido, cresceu perto dali, tendo passado a infância em engenhos de açúcar.

Inicialmente, em Poço do Aleixo, em São Lourenço da Mata.

E posteriormente, nos engenhos Pacoval e Dois Irmãos, em Moreno.

Atualmente, o corpo do poeta encontra-se no cemitério São João Baptista, no Rio de Janeiro, onde foi enterrado no dia 10 de outubro passado, depois de ter sido velado em uma cerimônia simples e discreta no Mausoléu dos Imortais da Academia Brasileira de Letras (ABL).

João Cabral morreu no dia 9 de outubro, de parada cardíaca, em sua casa, na Praia do Flamengo, Zona Sul do Rio.

Caso a família concorde um dia que os restos mortais sejam transferidos para lá, o poeta não será o primeiro a contar com tal privilégio.

O tio de João da Costa Azevedo, Olintho Ferreira de Souza Azevedo, falecido em 1944, já havia sido enterrado lá.

Com a venda do engenho em 74 para o grupo Petribu, os restos mortais de Olintho Azevedo foram transferidos para o cemitério de Tracunhaém.