Por Noelia Brito, advogada e procuradora do Recife O pernambucano Gregório Bezerra teve participação ativa em vários dos momentos mais importantes da vida política brasileira.

Nascido na cidade de Panelas, no dia 13 de março de 1900, Gregório, aos nove anos de idade já era órfão de pai e mãe e já conhecia a vida dura da ponta da enxada dos canaviais de Pernambuco.

Passou por diversas ocupações para sobreviver.

Foi carregador de bagagens, trabalhador doméstico, jornaleiro e servente de pedreiro.

Até que ingressou na carreira militar, já aos 22 anos, mas não sem antes ter sido preso por apoiar as greves gerais que lutavam por direitos trabalhistas e a Revolução Bolchevique de 1917.

Gregório trazia dentro de si, o germe que habita em todos os espíritos revolucionários.

Analfabeto até os 25 anos, Gregório apurou o gosto pela política através das leituras que seus companheiros lhe faziam de jornais da época.

Autodidata, Gregório alfabetizou-se e fez carreira nas Forças Armadas, chegando a instrutor de armas e de educação física, quando de sua estadia no Ceará e no Rio de Janeiro.

Em 1930, já de volta ao Recife, filiou-se ao Partido Comunista do Brasil (PCB), onde, em 1935, liderou a “Revolta Comunista”, também conhecida como “Intentona Comunista”, o que lhe rendeu uma condenação a 28 anos de prisão, sob acusações de homicídio e lesões corporais.

Transferido para o Rio de Janeiro, dividiu a cela com o secretário geral de seu Partido, Luis Carlos Prestes.

Findo o Estado Novo, Gregório foi anistiado e eleito o segundo deputado constituinte mais votado de Pernambuco, em 1946, pelo PCB.

Deputado atuante e companheiro de bancada de outros comunistas como Marighella, Prestes, Jorge Amado, João Amazonas e José Maria Crispim, Gregório propõe a inclusão, no texto constituinte, de artigos em favor das mães solteiras, das crianças de rua, da criação de creches nas fábricas e do direito de voto para analfabetos e militares de baixas patentes.

O trabalho da bancada comunista em favor da classe trabalhadora gera tal incômodo nas oligarquias dominantes que estas forçam o presidente Dutra a cassar o registro do PCB, em 1948, fazendo com que Gregório Bezerra e seus companheiros do Partidão também perdessem seus mandatos, passando todos à clandestinidade.

Com o Golpe civil-militar de 1964, foi preso imediatamente, nas terras da Usina Pedrosa, próximo a Cortês-PE, pelo capitão Álvaro do Rêgo Barros, quando tentava organizar a resistência armada dos camponeses, ao golpe em apoio ao governo do presidente João Goulart e do governador de Pernambuco, Miguel Arraes.

Em entrevista ao Jornal do Commercio, publicada em dezembro de 2001, o Capitão Carlito Lima, autor do livro “Confissões de um Capitão” , relata que dentre todos os líderes políticos de esquerda, presos na 2ª Companhia de Guardas, na Avenida Suassuna, aí incluídos Miguel Arraes, Paulo Freire, Paulo Cavalcanti, Gregório Bezerra e Pelópidas Silveira, era justamente o ex-sargento do Exército e líder comunista Gregório Bezerra, o preso político que mais preocupava a segurança, logo após o movimento civil-militar de 1964.

Segundo Carlito Lima, o “Exército tinha pavor e ódio a Gregório Bezerra porque, na Intentona Comunista de 1935, ele era um dos dirigentes e era também sargento.

Ele chegou todo amarrado.

Era um cara bravo.

Um dia, numa das celas da 2ª Companhia de Guardas, falou: ‘tenente, mate-me.

O senhor ganhou a revolução.

Se fosse ao contrário, mandaria vocês para o paredão’.

Era um cela (solitária) pequena, mal podia se locomover.

Isso já era uma tortura psicológica.” Mas o ódio dos militares por Gregório ficou mais que público, notório, no episódio testemunhado pelos moradores do bairro de Casa Forte, que assistiram, incrédulos, ao linchamento, à tortura pública de Gregório, arrastado pelas ruas do bairro nobre da capital pernambucana, amarrado pelo pescoço a um jipe comandado pelo tenente-coronel do Exército Darcy Villocq, que semelhante a um celerado lhe gritava impropérios, naquele início de tarde, de um jamais esquecido 2 de abril de 1964.

Essa “página infeliz da nossa história” não apenas foi registrada de maneira indelével na memória de muitos moradores do Bairro de Casa Forte, conforme registrado pela revista “Afinal”, nº 27, em edição de março de 1985, especialmente dedicada a Gregório Bezerra, como foi transmitida, pelos canais de TV da época, para escândalo geral.

Gregório já havia sido brutalmente torturado pelo sádico Vilocq, tendo seus pés esfolados por fluido de bateria, apesar de já contar, nessa época, com 64 anos de idade.

Vilocq berrava pelas ruas, enquanto arrastava Gregório, instigando as pessoas a lincharem o prisioneiro.

Mas, diferentemente do planejado, o que ocorreu foi que dezenas de pessoas ligaram para as autoridades militares, inclusive as freiras do Colégio Sagrada Família, exigindo providências contra aquelas barbáries.

Dos depoimentos colhidos pela revista “Afinal”, vale mencionar o da professora Maria de Lourdes Cavalcanti Batista: “Ainda hoje guardo na lembrança a figura altiva e serena daquele homem sendo arrastado.

Eu não sabia quem era.

Aí o coronel Villocq gritou: ‘Este é o comunista Gregório Bezerra, que quis incendiar o quartel e matar os soldados dormindo. É este o criminoso’.

Fiquei escandalizada e muito perturbada, pois nada pude fazer e não me sentia verdadeiramente cristã.

Ele parecia o Cristo”.

Márcia Costa Lima Correia de Araújo tinha 8 anos quanto assistiu a tudo do portão de sua casa, na Rua Visconde de Ouro Preto.

Márcia, que depois se tornou professora universitária, nunca esqueceu a cena, que lhe fez pensar na imagem de Tiradentes.

Gregório depois disso ainda foi condenado a 19 anos de reclusão, tendo seus direitos políticos cassados pelo Ato Institucional nº 1 e só foi libertado, juntamente com outros 14 presos políticos, em 1969, em troca da libertação do embaixador americano no Brasil Charles Burke Elbrike, que fora sequestrado pelos grupos MR-8 e ALN.

Gregório Bezerra, então, já estava com 69 anos, 22 dos quais passados na prisão, exclusivamente por motivos políticos, tempo comparável apenas ao de Mandela que chegou a passar 27 anos como preso político.

Nessa segunda-feira (21), 21 de outubro, completaram-se 30 anos da morte desse grande pernambucano, desse imenso brasileiro que antes de morrer pediu apenas que fosse lembrado “como o homem que foi amigo das crianças, dos pobres e excluídos; amado e respeitado pelo povo, pelas massas exploradas e sofridas; odiado e temido pelos capitalistas, sendo considerado o inimigo número um das ditaduras fascistas.” Em tempos em que muitos cometem a infâmia de sentir saudades dos anos de chumbo, esquecendo-se convenientemente do que foi a ditadura civil-militar, fazendo-se de desentendidos de todo o sofrimento e de toda a indecência e indignidade que a tortura e a falta de liberdade trouxeram para o povo brasileiro e latino-americano, lembrar Gregório, lembrar tudo o que esse homem feito de ferro e flor, como Ferreira Gullar poeticamente o desenhou, simboliza e representa, parece urgente.

Pois ainda “existe nesta terra muito homem de valor que é bravo sem matar gente, mas não teme o matador, que gosta da sua gente e que luta a seu favor, como Gregório Bezerra, feito de ferro e de flor”.

Gregório Bezerra, sempre e para todo o sempre, PRESENTE!