A viga e a vida Por Sérgio Rangel RIO DE JANEIRO - “Ninguém aqui se escandaliza com nada.

Qualquer um pode desaparecer.

Não precisa nem ter coração”, diz a sucateira Patrícia Preta, dando uma longa gargalhada no meio do terreno baldio na entrada da favela do Caju.

O local ganhou notoriedade na semana passada, após o desaparecimento das seis vigas de aço, cada uma com 20 t, retiradas do início do desmonte do elevado da Perimetral, uma das grandes obras que prometem modernizar a região portuária do Rio.

O terreno, que não tem muros e mais parece o lixão da novela “Avenida Brasil”, foi o local escolhido pelos responsáveis pela obra para guardar o primeiro lote das gigantescas peças.

A ousadia do roubo chocou os cariocas.

O prefeito Eduardo Paes classificou o sumiço como “inacreditável”.

Espremida entre duas favelas enormes, a empoeirada e quase deserta rua onde fica o terreno é um cenário desolador.

No dia seguinte à divulgação do desaparecimento das vigas, Preta era a única das dezenas de sucateiros que trabalham no local a aparecer por lá.

Segurando um retrovisor quebrado que servia para “dar um jeito na sobrancelha”, a carioca fala sem parar sobre “a vida abandonada dos trabalhadores” desse canto do Rio.

De chinelo sujo de poeira e unhas pintadas de rosa, ela conta que engravidou na adolescência, só teve um emprego com carteira assinada, que durou três meses, e mora com os três filhos e o marido num quarto de um hospital desativado na vizinhança.

Até 2008, o local era especializado no tratamento de doenças infectocontagiosas. “Não entendo o motivo de tanto alvoroço pelo desaparecimento das vigas.

O governo me deixa morando naquele lugar.

Estamos abandonados há anos e ninguém fala nada”, diz Preta, que logo indaga: “Será que um dia todo o pessoal da nossa ocupação vai valer o preço de uma viga?”.

Será?