Foto: José Cruz/ABr Por Marina Silva Da Folha de São Paulo Nos últimos anos, o exagero numa disputa política bipolar, em que cada lado se considera o bem absoluto na luta contra o mal absoluto, contaminou toda a sociedade brasileira e gerou um ambiente de discórdia no qual a mais simples divergência é julgada e condenada como uma grave traição.
O debate político tornou-se estéril, pois todos gritam e ninguém escuta.
Qualquer atitude, decisão ou proposta é imediatamente vista como uma reação emocional, de ataque e defesa.
Se alguém tem um projeto, uma ideia, um questionamento, é porque está atacando um dos lados, “rompeu” com o outro, está se vingando. É grave quando essa bipolaridade penetra em serviços e procedimentos que deveriam ser públicos e isentos e os fazem sucumbir ao antigo preceito antirrepublicano: aos amigos, tudo; aos inimigos, a lei.
Dessa forma, o regime democrático é enfraquecido por dentro.
Mas, como diz o poeta, “amanhã há de ser outro dia”.
Podemos recuperar a política como atividade idealista, meio de realizar utopias, ambiente de disputas leais na busca de novos consensos capazes de unir (sem ter que fundir) os ideais da nação. É necessário que cada um, principalmente as forças que se forjaram na bipolaridade, busque um realinhamento interno e uma revisão de seus princípios.
Vale o que foi dito, nos últimos dias, por uma importante liderança do PT, o governador Tarso Genro: a disputa não é em torno do passado, mas voltada para o futuro. É necessário, também, compreender que lutar pela democracia sob uma ditadura é bem diferente de defender a democracia na democracia.
Pensemos em pessoas com histórico de luta pela democracia, como a presidente Dilma.
Não seria ofensivo pedir-lhe que proceda de modo democrático?
A democracia, nesse caso, é pressuposto básico, não temos que agir temendo que ela nos seja negada.
Da mesma forma, talvez seja inútil esperar atitude democráticade quem depende do autoritarismo e dasdecisões autocráticas, pois só nesse ambiente pode prosperar sua política ou seus negócios.
Porém, mesmo a estes deve-se dar o benefício da dúvida e a margem para uma mudança que é sempre possível pois, como temos visto tantas vezes, o tempo e a vida são bons professores.
De todo modo, o Brasil fez nas ruas e faz todos os dias um apelo que precisa ser escutado: recolher as armas.
O tempo mudou.
De nada adianta soltar os cachorros, comer o fígado e outras expressões de uma política feita com ódio.
Quanto a beijar e abraçar, é bom quando é sincero.
Houve um tempo em que vivíamos insultados sob a ditadura. É hora de nos sentirmos respeitados em nossa democracia.