Editorial da Folha de São Paulo Dada a celeuma, é natural que governo federal e entidades médicas continuem sem se entender quanto à filosofia e à oportunidade do programa Mais Médicos. É inaceitável, porém, que as associações de classe tenham decidido fazer a lei com suas próprias mãos, criando uma série de empecilhos burocráticos para não emitir o registro dos profissionais estrangeiros –o que atrasa ainda mais o início do programa.

Marcada para esta semana, a estreia de 682 médicos precisou ser adiada por causa dessa disputa infrutífera.

Não importa o que pensem os médicos, o Planalto baixou uma medida provisória que obriga os conselhos regionais da categoria a expedir os registros mesmo para profissionais que não tenham passado pelo processo de validação do diploma.

Medidas provisórias, como se sabe, têm força de lei.

Se a classe não está de acordo, conta com várias possibilidades de ação.

Pode tentar convencer o Congresso a rejeitar a regra; se não conseguir, como parece mais provável, tem ainda a oportunidade de recorrer à Justiça.

Há argumentos jurídicos para questionar não só o conteúdo da iniciativa –um advogado com verve poderia descrevê-la como uma ameaça à saúde pública, por exemplo–, mas também sua forma.

Em tese, medidas provisórias precisam atender ao duplo critério de relevância e urgência. É difícil demonstrar urgência no programa, contudo, sendo secular a falta de médicos nos rincões do país.

A maior ausência é de planejamento, mas os conselhos não podem ignorar a presunção de legalidade do instrumento legislativo e inventar procedimentos com o único intuito de descumpri-lo.

Agindo dessa maneira, retiram-se do campo da divergência democrática para flertar com um delito.

Médicos não estão acostumados com isso, mas às vezes é preciso reconhecer a derrota.

Ainda que o governo venha sendo populista e pouco sério nessa novela, parece inatacável o argumento de que é legítimo e necessário levar profissionais de saúde, incluindo os cubanos, a lugares onde os brasileiros não estão dispostos a ir.

Fariam melhor os conselhos se parassem de boicotar a emissão dos registros e se concentrassem em aprimorar o Mais Médicos. É preciso insistir que levar um profissional com um estetoscópio a lugares carentes é mero paliativo –embora muito necessário–, que fica muito aquém de resolver a contento os problemas da saúde.

Como o tema entrou na agenda pública, os médicos deveriam pressionar o governo por seus pleitos legítimos, como a destinação de mais verbas ao setor e a criação da carreira de médico do SUS.