Por Michel Zaidan Filho, sociólogo Não precisaria ter estudado tanto para apreender o significado da frase pronunciada por um delegado da Polícia Civil de Pernambuco, em debate radiofônico na UFPE, de que a Polícia é em si mesmo um fator criminógeno.

Não precisava acompanhar também os desdobramentos do “desaparecimento” do ajudante de pedreiro.

Amarildo, depois de uma visita forçada à UPP da Rocinha ou o atropelamento por um policial de um ancião, durante as últimas manifestações de rua, no Rio de Janeiro e a omissão covarde de socorro por parte do atropelador.

Tudo isso seria dispensável diante das medidas anunciadas por um oficial da Polícia, afirmando que a PM não tolerará mais nenhuma crítica à ação da Polícia e que espionaria a Internet, para ver as críticas assacadas, nas redes sociais, à corporação militar.

Como se isso fôsse pouco, a Polícia Militar do Rio de Janeiro determinou que a realização de qualquer pr otesto público terá de ser comunicada à Chefatura de Polícia com 48 horas de antecedência.

Embora não seja especialista em Direito Constitucional, pode-se facilmente perceber a flagrante ilegalidade dessas medidas.

Ainda que os nossos bravos integrantes do aparelho de segurança pública fôssem monumentos de virtude e conduta ilibada, o direito de crítica e de manifestação não é um beneplácito de nenhuma autoridade policial. É um direito garantido pela Constituição Federal do Brasil.

Todo e qualquer cidadão ou cidadã tem o direito, se assim lhe aprouver, de fazer críticas à atuação policial e se manifestar publicamente contra os desvios dessa atuação, mesmo porque os policiais são agentes públicos, pagos pelo contribuinte, e seu papel é defender as liberdades civis e políticas de seus mantenedores, como manda a Constituição.

A policia não deve obediência apenas ao governador, ao prefeito ou ao Presidente da República: deve obediência à lei, ao ordenamento jurídico do paí s, à ordem constitucional.

Só num Estado de Exceção, a polícia faz pouco caso da lei, cria casuisticamente portarias e resoluções coibindo os direitos dos cidadãos.

Não é o caso.

Ninguém, num Estado Democrático de Direito precisa pedir à autoridade polícia a autorização para fazer crítica ou organizar uma passeata, e perguntar o que pode dizer, como dizer, como se vestir, contra quem criticar etc.

Não cabe à Polícia essa decisão.

Permitir um abuso constitucional como esse, é colocar à ordem jurídica na dependencia do arbítrio e da vontade daqueles que deveria, sim, estar defendendo esse direito e não condicionando a esta ou aquela condição. É preciso promover um amplo debate sobre os limites (e a competência) da polícia e quem conferiu a ela tais poderes exorbitantes.

Uma coisa é defender a lei e o direito.

Outra é defender as conveniências ou os interesses do governante de turno. É bom lembrar que os oficiais nazistas foram condenados à morte, mesmo depois que alegaram que estavam cumprindo ordens de seus superiores hierárquicos, quando mandaram os judeus para as câmaras de gás.

A “mentalidade de funcionário” não serve como argumento, quando a ordem emanada de seu superior é absurda, ilegal, inconstitucional.

Se as manifestações de rua estão se tornando frequentes e vêm reagindo com a mesma veemência das ações da polícia, talvez fôsse o caso de refletir se a violência e a ilegalidade são os melhores meios de lidar com esses movimentos e, parar, para ouvir suas razões.

Há profundas motivações nessas ações e possível entendê-las, desde que haja vontade política para isso.

Mas é pedir muito à comunidade de segurança que, suspenda o porrete, e tente entender o que está acontecendo.

Não se contém a violência com mais violência e a propaganda enganosa.