Por Paulo C.

M.

Teixeira, especial para o Blog de Jamildo Muitos falam dos “brasis” que existem no Brasil.

De fato; um país com privilegiada dimensão territorial como a nossa, com rara diversidade de climas e vegetações, aliado a uma circulação de pessoas e pensamentos em permanente relação, produz, a todo instante, novas cores, cheiros, ritmos…

Mas o que somos?

Conhecemo-nos?

Qual nossa identidade?

O futebol?

O carnaval?

São os valores dessa propagada “identidade” que queremos legar para nossos filhos?

Quem somos?

Somos mesmo independentes ou vivemos sob uma dominação disfarçada, que assim continuará enquanto tentarmos imitar a trajetória dos outros?

O Brasil é um Estado enraizado no conservadorismo de tradições historicamente herdadas dos feudos culturais dos membros de uma secular oligarquia agrária, bem como da “corte” que em torno desses gravita, os quais sempre se caracterizaram por um culturalismo conservador.

Sempre se mostraram e se comportaram de forma resistente ou avessa às inovações que interferissem em seu status, remanescente da velha ordem senhorial das sesmarias e das ordenações dos diversos invasores.

As ditas “elites” deste país sempre guardaram influências e condescendência com os símbolos do velho continente.

As “novidades”, modas, costumes e tendências vindas (ou ditas vindas) dos modelos europeus - dos costumes franceses ou de raízes ibéricas – e do pós-guerra pra cá, dos EUA - sempre foram espontânea e simpaticamente aceitas por nossas classes dominantes, ainda que não guardassem identidade com a nossa cultura, nossa região ou nossa história.

Na verdade, o largo das elites brasileiras, empresariais, políticas e até segmentos acadêmicos e artísticos, com hiatos de valorosas exceções, sempre demonstraram historicamente, ser dominadas por um congênito sentimento de incapacidade de se imaginar produzindo algo original e autêntico, que possa ser valorizado pela singularidade do pensamento ou pela riqueza de um traço cultural de caráter próprio.

A tendência “natural” é se sentir inferiorizadas diante dos pensamentos, modelos, símbolos e estereótipos estrangeiros.

Por sua vez, o rótulo de “importado”, em regra, sempre conferiu, por si só, no imaginário dessas, a condição de boa qualidade, procedência e até superioridade.

Isso não acontece apenas em relação a manufaturas, especiarias.

Em outro turno, conhecer, apreciar, difundir ou praticar nossas mais originais ou populares matrizes culturais, mesmo que com profundidade, dificilmente tem o condão de constituir, por si só, a condição de reconhecimento positivamente valorado.

Em regra, é preciso que a “arte” produzida ou o “pensamento original”, para ser identificado como tal, enquadre-se em algum modelo, escola, os quais se alimentam de utopias e referências estrangeiras.

Caso contrário, não tem conceito.

Se for uma produção intelectual, tem-se que demonstrar erudição.

Falar outros idiomas, fazer citações em línguas estrangeiras.

Isso causa positiva impressão e confere a aura de alguém “preparado” – ainda que os que o escutem nada entendam, ou que, mesmo entendendo, não seja verdadeira a citação. É o traço já denominado de “satisfação com o saber aparente, típica dos que prestam-se ao saber de fachada”.

E nesse sentido, o povo brasileiro tem pago, historicamente, um preço terrivelmente alto por esse preconceito alimentado por camadas privilegiadas da população e incorporado pelo povo-massa.

Este, sempre ausente e desconsiderado – embora utilizado - nas decisões que definiram os rumos do país e os caminhos a serem por ele trilhados.

Assim é, por exemplo, que os principais episódios da história do Brasil, que resultaram em efetivas mudanças nos rumos de nossa realidade política, social e econômica, sempre tiveram motivações alheias aos reais interesses da maioria de nossa população.

Os acontecimentos que provocaram alterações na história do Brasil nunca chegaram, nenhum deles, a envolver um contingente significativo da população – do povo mesmo – que permitisse à história registrá-los como uma conquista popular. É o caso da Independência, Libertação dos Escravos, Proclamação da República, Revolução de 1930, Golpe de 1964 e de outros episódios reformadores de nossa ordem social e institucional, embora tenham contado com louváveis e emblemáticas participações de algumas pessoas ou segmentos sociais na defesa da nação e das liberdades.

Por outro lado, a causalidade de nossa história, os acontecimentos que se sucederam em nosso processo de formação sócio-cultural, foram no mais das vezes analisados - no esforço de entendermos a nós mesmos - a partir de uma matriz eurocêntrica.

Assim, muitos procuraram, numa espécie de transplante das leituras investigativas da história alheia, explicar nossas razões a partir da experiência de uma civilização com formações históricas bastante distintas da nossa.

A partir da vivência de nações que, diferentemente da nossa, experimentaram na sua construção ferrenhas disputas entre tradicionais reinos ou entre aristocracias feudais e burgueses, além de terem sido palco de fortes tendências e movimentos religiosos e sociais revolucionários, entre outros fatores sociais e políticos.

O Brasil, na verdade, como país, resultou do fracasso de um projeto colonial provedor de bens primários exportáveis, com uma organização sócio-econômica assentada em mão de obra servil ou escrava, atendendo às demandas desse mercado mundial.

E neste sentido, o país sempre foi extremamente próspero e altamente rentável para suas elites e sua classe dominante.

Estas sempre conseguiram estruturar nossa sociedade em um especialíssimo sistema econômico que compele o povo a produzir bens primários prioritariamente para o mercado externo.

Produzir para exportar. “Exportar é o que Importa”, dizia ainda um dos grandes slogans no recente governo militar.

Desde os primeiros instantes da colonização, entretanto, a população brasileira, importada ou nativa, sempre exerceu para as metrópoles mundiais uma função de proletário externo.

Assim foi desde os primeiros imigrantes, os degredados para cá enviados e que iniciaram o Ciclo do Pau-Brasil.

Vieram trabalhar na primeira atividade produtiva da terra nova, que também contou com a “cooperação” da mão-de-obra dos índios escravizados, no primeiro século da colonização.

Ainda no decorrer do século XVI, começa a chegar a nova mão-de-obra: os africanos, trazidos por traficantes portugueses para serem escravos no Brasil.

Nos séculos seguintes, os negros tornaram-se o principal combustível de nossa economia, no açúcar de Pernambuco, no cacau da Bahia e no ouro de Minas Gerais.

Na passagem do século XIX para o século XX, nossa força proletária foi reforçada com os mais de 4 milhões de imigrantes estrangeiros que para cá vieram formar mão-de-obra, subsidiados pelo governo brasileiro.

Diferentemente do que muitos imaginam, o Brasil sempre produziu muita riqueza.

No século XVII, por exemplo, quando o açúcar era o produto mais rendoso do mundo – como o petróleo é hoje - o valor das exportações brasileiras foi maior do que as inglesas, que, com suas colônias espalhadas pelo planeta, era a grande líder do comércio mundial.

Por outro lado, no chamado Ciclo do Ouro, época em que este metal era o mais nobre produto do Ocidente, só entre 1735 e 1754, período de maior produção ocorrido no Brasil, nossa exportação atingiu a média anual de 14,5 mil quilos, multiplicando várias vezes a quantidade de ouro existente no mundo.

Entre o final do século XIX e começo do século XX, outro produto transformaria o Brasil em líder mundial: o café.

Esta supremacia no setor cafeeiro se estenderia até 1913.

Ainda no século XX, o cacau, a borracha, o algodão e a madeira também geraram prosperidade e riqueza às classes economicamente dominantes e elites dirigentes do Brasil.

Para variar, à custa de uma massa populacional de brasileiros ou imigrantes implacavelmente forjada para atender, com base num trabalho semi-servil, às necessidades produtivas e aos propósitos mercantis das elites que aqui se instalavam, responsáveis pela histórica subordinação da produção brasileira aos interesses econômicos internacionais.

Primeiro português, com a cana de açúcar e depois os metais preciosos; mais tarde, entre as últimas décadas do século XIX e as primeiras do século XX - sobretudo no chamada Ciclo do Café - nossas elites serviram ao capital financeiro inglês.

Essa subserviência as britânicos, aliás, vinha desde a famosa “abertura dos portos às nações amigas”, diga-se Inglaterra, em 1810.

O domínio econômico deste país sobre o Brasil se estendeu até as primeiras décadas do século XX, quando os Estados Unidos passam a ser o principal parceiro comercial brasileiro.

Impressiona, pois, a histórica capacidade e habilidade das elites locais para produzir e desfrutar riqueza neste país, à custa de uma sociedade racionalmente forjada à luz dos interesses de uma estreita oligarquia dominante e servil que prioriza os interesses dos mercadoe estrangeiros, em detrimento de nossas reais necessidades enquanto nação .

Situação que sempre gerou - e sobrevive historicamente como um forte traço de nossa composição social - um profundíssimo fosso entre uma seleta camada privilegiada, com elevadíssimo padrão de consumo, e o grosso da população.

Esta última, formada por um imenso exército de homens, mulheres e crianças; brasileiros que formam a mão-de-obra do país, ativa ou disponível, composta de humildes cidadãos, trabalhadores que apenas se sustentam, e um mar de necessidades.

Muitos destes que mortificam seus sentimentos, vontades, sonhos, banhados por um imperscrutável fatalismo diante do caminho, “destino” ou “missão que a vida lhes reservou”.

Seguem assim se embriagando e existindo para ser não o que desejam; mas o que convém aos outros.

Hoje, a economia do Brasil põe sua esperança no petróleo do pré-sal.

Mais um extrativismo natural para atender ao mercado externo, na mesma sequencia do pau brasil, da cana de açúcar, dos metais preciosos, do café da borracha, do algodão…

Mas e as bilionárias plataformas que extrairão o petróleo – como aconteceu com o maquinário do café ou das tecelagem, do qual todo extrativismo é dependente?

Quem as produz?

Quem tem o domínio tecnológico de seus principais componentes.

Para o mundo somos agora um grande mercado a ser explorado; mas continuamos um pequeno país produtor extrativista, e assim seguiremos enquanto não proclamarmos nossa Independência, com justiça, educação e tecnologia.

Economista, Advogado, Mestre em Ciência Política pela UFPE e Doutor em Filosofia pela Universidade de Salamanca.