Esquerda 1 vs.

Direita 0 André Singer, na Folha de São Paulo No fla-flu aberto com as demonstrações de junho, a esquerda ganhou a primeira partida.

Não me refiro à redução no preço das passagens, pois esta foi concedida no susto, sob o impacto de protestos que mobilizaram o espectro ideológico inteiro.

A vitória “gauche” se deu no campo da medicina.

Provavelmente orientado por pesquisas, o governo percebeu que a saúde unificava os jovens das passeatas à insatisfação popular expressa na queda de apoio aos governantes.

Resolveu, então, desengavetar o Mais Médicos, apresentando-o como resposta à voz das ruas.

Embora não se dirigisse às grandes cidades, onde os movimentos foram mais fortes, o programa tinha a sensibilidade social necessária para o momento.

Movida por um sentimento de força conjuntural, talvez pela presença massiva de bandeiras brasileiras e cartazes contra a corrupção nas avenidas, a direita encampou o corporativismo de uniforme branco, estimulando as associações de classe a uma oposição frontal ao projeto do Executivo.

Engrossadas ainda pela irritação da classe média a tudo que venha do PT, as primeiras reações ao plano de trazer estrangeiros foram tão veementes que pareciam condenar a iniciativa a não sair do papel.

O erro da direita foi não ter percebido que a força da proposta estava na sua fraqueza.

Com efeito, o Mais Médicos não vai reverter as graves deficiências vigentes nas extensas periferias metropolitanas.

Para tanto, é provável que só uma reforma tributária, profunda o suficiente para gerar recursos de monta, fosse capaz de realizar o preceito constitucional de um verdadeiro sistema único e público de saúde.

Mas, justamente por se dirigir a comunidades afastadas –onde, aliás, está hoje a base eleitoral do lulismo– nas quais não há atendimento algum e os profissionais brasileiros não querem ir, a proposta tem legitimidade inquestionável.

Em poucas semanas, as corporações ficaram isoladas, sendo obrigadas a recuar para um obsequioso silêncio.

Enquanto isso, a aprovação governamental voltava a subir.

Para coroar, houve o condimento simbólico.

Embora duramente criticada pelos setores democráticos da esquerda, Cuba ainda mora no coração de boa parte dos que sonham com uma sociedade igualitária.

O despojamento e a disposição dos médicos cubanos que aqui desembarcaram, alvos de preconceitos absurdos, deu um quê de superioridade moral ao time vermelho.

Contudo, atenção: as ba- talhas decisivas se darão no terreno da política econômica, no qual, cumpre ressaltar, nada indica que o resultado, qualquer que seja, venha a ser obtido de modo tão a- meno.

O campeonato prenuncia-se longo.