Por Henrique Mariano As manifestações populares verificadas em todos os rincões do Brasil nos meses de junho e julho deixaram a classe política brasileira atônica e perplexa.
Excetuando os atos de depredação dos patrimônios público e privado, os protestos e os movimentos foram assimilados como legítimos, necessários e principalmente estruturantes.
Representaram o rompimento definitivo do sentimento de letargia que acompanhou o brasileiro nas últimas décadas.
A classe política sempre contou com o sentimento de resignação do povo brasileiro.
Acredito que esse paradigma foi subjugado.
A despeito de difusas, as mobilizações apontaram para os velhos reclamos sociais: saúde e educação de melhor qualidade, dessa feita com novo jargão “qualidade FIFA”, e segurança pública.
Agregados a esses três pontos, somam-se- a mobilidade urbana e a risível qualidade dos transportes públicos. É plausível criticar o mérito dessa pauta de reivindicações?
Penso que não.
Nenhum dos serviços essenciais de obrigação do Estado funciona de forma minimamente satisfatória.
A perversa realidade do transporte público, por exemplo, viola o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana.
Os milhões de usuários brasileiros são diariamente amontoados em vagões e ônibus.
Essas pessoas não mais possuem qualidade de vida, porquanto não gozam de momentos de lazer, de convivência social e familiar.
Esse tempo é integralmente consumido em seus deslocamentos urbanos.
Uma realidade cruel e desumana.
As ruas deram o seu recado.
No entanto, perece que a lição não foi assimilada por expressiva parcela dos integrantes da Câmara Federal.
Na noite do último dia 28 de agosto, a nação brasileira ficou estarrecida com a indecente e inescrupulosa decisão da Câmara dos Deputados mantendo, por votação secreta, o mandato do Deputado meliante, Natan Donadon, condenado pelo STF a 13 anos de prisão pelos crimes de formação de quadrilha e peculato.
Atualmente cumpre pena na Papuda, Distrito Federal.
A manutenção do mandato do Deputado gatuno foi articulada ao longo do dia da votação, 28/08, por seu irmão Melkisedek Donadon que visitou pessoalmente o gabinete de vários deputados do baixo clero, sobretudo as bancadas evangélicas do PT e do PMDB.
Nesse lastimável episódio, não podemos esquecer que o Presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), premeditadamente, atrasou o início da sessão por mais de 05 (cinco) horas, garantindo assim o tempo necessário a fim de que lobby de bastidor empreendido para esvaziamento do plenário no momento da votação lograsse êxito.
Conseguiram, 108 deputados estavam ausentes do plenário no momento da votação.
Acredito ser ininteligível à maioria dos cidadãos brasileiros assimilar que o Presidente da Câmara dos Deputados, a 3ª (terceira) autoridade na linha sucessória da Presidência da República, preste-se a tamanha traição ao povo brasileiro, principalmente após irrefutáveis demonstrações visando mudanças estruturais no exercício da representação popular.
Ademais, não podemos olvidar que o mesmo Presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves, em plena efervescência das manifestações, utilizou avião da FAB para, no domingo, assistir com sua família e convidados, a final da Copa das Confederações na cidade do Rio de janeiro.
Pressionada pelo uníssono sentimento de indignação da sociedade, a mesma Casa Legislativa que há poucos dias deliberou, por votação secreta, manter o mandato do Deputado Natan Donadon, aprovou ontem, por unanimidade, com 452 votos, o fim do voto secreto.
Além disso, o Presidente Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), que há poucos dias esbravejava contra o Supremo Tribunal Federal que, segundo ele, desejava se imiscuir nas prerrogativas da Câmara dos Deputados, hoje dantescamente implora ao Presidente do STF para que, na próxima semana, aquela Corte Constitucional julgue o mérito da liminar concedida pelo digno Ministro Luiz Roberto Barroso, que suspendeu os efeitos da sessão que salvou o mandato de Donadon.
A volatilidade de posição e o antagonismo das suas deliberações são provas indeléveis de que o Congresso Nacional não tem identidade ideológica, nem muito menos política. É um Parlamento integralmente dissociado dos anseios do povo e da sua verdadeira representação.
Suas resoluções são tomadas ao sabor da conveniência coorporativa do momento.
Henrique Mariano é advogado, Conselheiro Federal da OAB pelo Estado de Pernambuco, Presidente da Comissão Especial da Memória, Verdade e Justiça do Conselho Federal da OAB, Secretário Geral da Comissão da Memória e Verdade D.
Helder Câmara do Estado de Pernambuco e ex-Presidente na OAB, seccional pernambucana, no triênio 2010/2012.