Por Roberto Numeriano, especial para o Blog de Jamildo O anúncio, pelo secretário de Defesa Social, de que qualquer mascarado em manifestações públicas será enquadrado legalmente pela polícia, fundamentando-se, esse ato, no dispositivo constitucional que afirma ser livre a manifestação do pensamento, vedado o anonimato, é uma prova perigosíssima da tentativa de judicializar, numa perspectiva policial/criminal, as lutas sociais e políticas.

E, igualmente espantoso, é a cara de paisagem de toda a imprensa que, diante dessa mansa arrogância institucional do secretário, sequer questionou essa interpretação estapafúrdia e falaciosa de uma autoridade que, com ares de quem teria descoberto o segredo da pedra filosofal, pretende domesticar os protestos de ruas e praças.

Desde já, afirmo ser contra atos violentos deliberados em manifestações públicas, mas ao mesmo tempo reconheço o direito de resistência dos manifestantes se uma autoridade policial abusa de suas prerrogativas no trabalho de contenção ou, sendo o caso, repressão de grupos.

Ou seja, mesmo a repressão dura deve se ajustar a um certo grau, por mais difícil que seja em um ambiente de confronto aberto. É assim que funciona em países nos quais as autoridades policiais são treinadas para reprimir, mas nem por isso passam a enxergar do outro lado um inimigo de guerra que deve ser abatido na linha de tiro.

A ação violenta de um grupo dentro da manifestação do Passe Livre, depredando bens públicos e privados, é um ato que para mim merece repúdio social e político.

E merece porque, até prova em contrário, foi planejada e não se explica como “efeito colateral” típico de conflitos de rua, quando muitos, acuados, atacam para resistir e defender uma dada posição.

Se, diante de atos violentos deliberados, a polícia, também deliberadamente, começa a exorbitar de suas prerrogativas legais (por exemplo, atirando contra o grupo, espancando ou seviciando física e psicologicamente manifestantes), não precisamos de Estado de direito, e muito menos de uma imprensa em geral oficialista, com seus editoriais vociferando pela ordem e controle.

Basta passar as chaves para um ditador da ordem e dos bons costumes.

Basta transformar secretários de segurança em intérpretes da lei (e é sintomático que a voz do secretário seja hoje mais onipresente do que a do governador de Pernambuco, seja falando da acessibilidade à Arena Pernambuco, seja de tubarões em Boa Viagem, seja de manifestações de rua). É necessária e obrigatória a temperança de quem tem a prerrogativa de agir, mesmo com violência.

Controlar distúrbios é viver no fio da navalha.

Ainda mais necessário é a autoridade se submeter à lei.

A canhestra interpretação da letra constitucional no fundo quer impedir uma forma de se manifestar, pois presume que, estando a pessoa mascarada, necessariamente vai delinqüir.

Particularmente, acho estranho e paradoxal protestar de máscara, mas ainda assim é uma atitude política que tem respaldo na lei (pois o anonimato a que se refere a lei de jeito nenhum é, já na substância do Direito, essa atitude que querem a priori conceituar como uma transgressão).

Não será impossível, guardadas as proporções, se em breve secretários desse naipe, assombrados pelo anonimato das máscaras, começarem a interpretar o “off” jornalístico e queiram reprimir o sigilo da fonte.

Estar anônimo, sob uma máscara, no meio de uma manifestação pacífica, seria o caso de significar um perigo potencial à ordem pública?

Se for o caso, o que dizer de policiais que se infiltram nas manifestações, decerto cumprindo ordens, e que gravam ou filmam decisões de assembléias de estudantes ou de participantes do Passe Livre? É permitido esse anonimato da P2 contra jovens que se reúnem pacificamente?

Seriam esses organizadores bandidos que devem ser monitorados?

Quem vai vigiar os vigias, senão o Estado de direito democrático?

Roberto Numeriano é cientista político, jornalista, professor e militante do PSOL – PE.