Por Noélia Brito, especial para o Blog de Jamildo As manifestações que tomaram conta do país a partir das ações do Movimento Passe Livre e que levaram multidões às ruas das cidades brasileiras de Norte a Sul trazem à tona uma importante discussão sobre o tipo de democracia que queremos.

O modelo atual, que é o da democracia representativa, em que os partidos políticos, através de seus caciques, exercem a hegemonia das decisões políticas e econômicas, parece não atender mais aos anseios da população e qualquer reforma política que não levar esse fato em consideração, não será capaz de conter a insatisfação que transborda pelas ruas.

O descrédito das instituições perante o povo é inegável.

Dizer que o povo não acredita nos políticos tradicionais, nos partidos políticos e na sua forma de fazer política é chover no molhado.

Não adianta, portanto, reformar o que já está em falência irreversível.

As ações dos grupos autonomistas, que são aqueles que atuam politicamente, mas sem qualquer vinculação com agremiações partidárias, deixa evidente que essa insatisfação com o sistema político-partidário, todo ele alimentado por relações espúrias entre financiadores de campanhas que depois se beneficiam de contratos com o Poder Público, criou um campo político paralelo e alheio à vontade estatal, onde a ação direta da própria população é a forma de atuação e de pressão na busca das transformações sociais, políticas e econômicas que realmente interessam ao povo.

Os ataques e difamações de partidos tradicionais e grupos da mídia a estes ligados, na tentativa de desconstruir ou deslegitimar a atuação de grupos autonomistas, não surpreende e decorre do fato de aqueles se saberem derrotados na disputa pelo protagonismo e condução do processo de evolução política e social.

A sociedade que hoje se relaciona em rede e compartilha de ideias e opiniões de maneira horizontal, já não tolera mais ser tutelada pelos donos da verdade e os senhores do conhecimento, os titulares dos cartórios partidários que negociam, a portas fechadas, com o poder central, os “destinos da manada”.

Tentar deslegitimar os grupos que atuam autonomamente por meio de ações diretas é o mesmo que deslegitimar a própria ação do povo ao atuar em seu próprio nome, o que é verdadeiro disparate, uma vez que tendo legitimidade para escolher representantes, como não terá, o próprio povo, legitimidade para se auto-representar?

Não é a toa que durante as manifestações, os principais alvos da repressão policial são justamente os militantes autonomistas, que parecem até ser objeto de monitoramento especial pelos serviços de inteligência das forças de segurança pública, uma vez que não havendo líderes identificáveis, pois ao decidirem da maneira mais democrática, ou seja, por deliberações coletivas, não há possibilidade de acordos ou conchavos palacianos.

Por tudo isso, estejamos atentos para propostas de reforma política que não tragam em seu bojo o predomínio da participação popular em todo o processo decisório, pois ninguém expressa a vontade popular melhor do que o próprio povo, de maneira horizontal e direta.

Noelia Brito é advogada e procuradora do Município do Recife