Foto: Clemilson Campos/JC Imagem O loteamento Juiz Demóstenes Veras, em Caruaru, poderia tranquilamente figurar como cenário de filme sobre o deserto.

Incrustado em meio a áreas de terra batida, seus moradores sofrem com o esgoto à céu aberto, a falta de calçamento e a dificuldade de conseguir pegar ônibus.

Não é surpresa se deparar com uma mistura de esgoto e animais mortos entre as casas.

A construção das habitações em Caruaru é um capítulo à parte e se arrasta desde 2004, de acordo com relatório publicado pela Controladoria-Geral da União (CGU), órgão de controle dos gastos públicos no Brasil.

Uma parceria entre a prefeitura, a Caixa Econômica Federal e o Ministério das Cidades, através do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Urbano de Municípios de Médio Porte, deveria ter gerado a construção de 150 casas populares no loteamento Cedro, no bairro de mesmo nome.

O montante liberado pela CEF foi de R$ 1.056.861,00.

Todo o recurso foi entregue em duas parcelas: a primeira, de R$ 211.372,20, em julho de 2004, e a segunda, de R$ 845.488,80, em maio de 2006. À prefeitura, coube a contrapartida de R$ 314 mil, o que resultaria num custo global de R$ 1.370.861,00.

Porém, o habitacional jamais foi entregue.

Escolhida por licitação para executar a obra, a Rufo Construções Ltda, declarou, em 2007, que não poderia continuar a construção das casas.

Entregou o projeto com apenas 13,06% concluído, a um custo de R$ 197.873,54, segundo a CGU.

De acordo com relato da CGU, após inspeção no local, os 13,06% executados deram origem a 24 unidades habitacionais que foram entregues “sem portas, sem janelas e algumas sem cobertas” à prefeitura. “A população, diante do abandono ocupou o espaço – onde estão até hoje – executando precariamente algumas cobertas”.

Impossibilitada de tocar o contrato, a prefeitura encontrou, como alternativa, estabelecer uma nova parceria com a Caixa Econômica Federal, com a proposta de ampliar o número de habitações por meio do programa “Minha Casa, Minha Vida”, em abril 2010, para 500 unidades.

O montante pactuado foi de R$ 14 milhões e a obra começou em outro local, o loteamento Demóstenes Veras, que foi entregue somente em abril deste ano, segundo a CGU.

Mas onde foi aplicado os R$ 858.987,46 restantes do primeiro contrato?

Valmir José Rodrigues, 38 anos, se pergunta até hoje.

Integrante da associação de moradores do loteamento, ele afirma que não se sabe mais o que fazer com o cheio de esgoto e os problemas de pele que têm causado nas crianças.

Segundo a CGU, a Caixa Econômica Federal determinou que a Prefeitura de Caruaru devolvesse o restante, acrescido de atualização monetária de R$ 37.672,58 e juros de R$ 97.184,26, em 31 de junho de 2011.

A CGU solicitou a Prefeitura de Caruaru a comprovação do depósito apenas da multa e dos juros, R$ 272.248,36.

Recebeu uma resposta negativa da Secretaria de Fazenda do município, que disse apenas ter repactuado os valores com a CEF. “Observe-se que a secretaria não apresentou comprovação da negociação com a Caixa”.

CGU: verba não foi usada em moradias Foto: Clemilson Campos/JC Imagem Durante toda a fiscalização realizada pela Controladoria Geral da União (CGU), a Prefeitura de Caruaru foi convidada a responder por cada uma das áreas onde foram identificados problemas na utilização das verbas públicas advindas de convênios federais.

No caso específico da construção das 150 casas do loteamento Cedro, a prefeitura refutou a tese de que o dinheiro foi aplicado de maneira irregular. “Os recursos estão regularmente aplicados.

Saliente-se que os fatos narrados pela auditoria dizem respeito a eventos da gestão anterior, de modo que manteremos informados sobre a situação do convênio em apreço”, limitou-se a responder a assessoria da prefeitura, no inquérito da CGU.

O prefeito anterior era Tony Gel (DEM), hoje deputado estadual, e que faz oposição ao atual prefeito, José Queiroz (PDT).

A análise do controle interno da CGU é taxativa ao afirmar que o dinheiro autorizado e pago pela Caixa não foi empenhado no objeto contratado, e nem foi devolvido aos cofres públicos. “A Prefeitura de Caruaru não esclarece a ausência de devolução dos recursos federais não utilizados e os utilizados em empreendimentos sem funcionalidade”, afirma a conclusão final do órgão de controle.

Enquanto isso, na rua Camocim de São Félix, no loteamento Demóstenes Veras, onde foi empenhada a verba proveniente do “Minha Casa, Minha Vida”, os oito filhos de Adão Afonso Fernandes, 45 anos, sofrem com micose, manchas na pele, fungos nas unhas, entre outros problemas. “Eu morava no morro e não pagava nada.

Me colocaram aqui, tenho um monte de despesas como IPTU, gás e água e moro na sujeira do mesmo jeito”, indignou-se Adão, que é gari.

Ele explica que apesar da esposa ser beneficiada com o Bolsa Família, há meses não efetua pagamentos das contas de água e espera que o serviço seja cortado. “Um lugar desse era para ser bonito, era para ser digno.

Porque para viver no meio do lixo eu continuaria no morro”, disparou Adão Fernandes.

Caso parecido acontece com o comércio do mesmo loteamento.

O mercadinho Hayanna, na rua Belo Jardim, estava de portas fechadas na semana em que a reportagem do JC visitou o local.

Uma melancólica placa de “vende-se” foi pendurada em frente ao algoz do comércio: um bueiro estourado, de onde jorram fezes e lixo.

A casa ao lado, também está sendo repassada, disse a proprietária, que preferiu não se identificar.

Gestão tenta destravar construções Foto: Clemilson Campos/JC Imagem Lembrando que o primeiro convênio – que deveria ter resultado na construção de 150 casas para vítimas das cheias no loteamento Cedro – foi firmando pela gestão anterior, o controlador-geral de Caruaru, Tony Galvão, afirmou que a gestão do prefeito José Queiroz (PDT) entrou para resolver os problemas herdados. “Até onde eu sei, esse processo foi realizado ainda na gestão anterior a de Queiroz.

Foi contratado um empréstimo junto à Caixa para construção que, por problemas técnicos, não teve prosseguimento.

O prefeito conseguiu junto ao governo Lula esse financiamento do ‘Minha Casa, Minha Vida’ e, com isso, as pessoas que seriam beneficiadas foram para o loteamento Demóstenes Veras”, explicou o controlador.

Já sobre a situação das casas, novamente o município optou por responsabilizar o governo federal. “A construção segue o padrão do programa.

Há uma diferença na qualidade do material, mas tudo dentro dos padrões estabelecidos”, garante.

Ainda segundo Galvão, o saneamento é parte da verba liberada pelo governo. “Tudo foi contratado dentro do padrão, dentro das especificações.

A prefeitura está contactando a construtora para resolver os problemas apresentados pelos moradores.

Foram entregues as moradias e o saneamento.

O que se viu lá, não é que não tinha saneamento, é que está com alguns vazamentos”, concluiu Galvão.

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