Foto:Clemilson Campos/JC Imagem Por Roberta Soares, do Jornal do Commercio A reivindicação é justa, desejada por muitos há muito tempo, mas o palco escolhido não é o adequado.

Os integrantes da Frente de Luta pelo Transporte Público de Pernambuco, que ocuparam a Câmara de Vereadores do Recife na quinta-feira (8), deveriam invadir é a Assembleia Legislativa de Pernambuco.

Antes que me acusem de estar incitando a violência e a desordem, explico: o sistema de transporte público de passageiros do Recife é metropolitano e, por isso, possui uma gestão metropolitana, sob responsabilidade do governo do Estado de Pernambuco. É o Grande Recife Consórcio de Transporte (antiga EMTU) e, acima dele, a Secretaria Estadual das Cidades que gerenciam para o bem e para o mal o sistema.

Doze anos atrás, tentou-se a mesma estratégia de forçar uma investigação sobre a chamada “caixa preta” do sistema de transporte público da Região Metropolitana do Recife.

Os atores, mais uma vez, foram os vereadores da capital, que faziam oposição ao governador Jarbas Vasconcelos (PMDB), naquela época em quantidade maior do que a atual.

O discurso, mais uma vez era o mesmo: o lucro dos empresários de ônibus não condizente com a qualidade do transporte oferecido.

Questionava-se, inclusive, a prática de remuneração do setor, feita exclusivamente pela quilometragem percorrida pelos ônibus.

Ou seja, quanto mais coletivos circulassem nas ruas, mesmo que vazios, mais custo era gerado e maior era a remuneração da operadora.

A CPI foi criada, o palco armado e os trabalhos iniciados.

Diversos atores foram ouvidos e muitas acusações trocadas para, no fim de tudo, a Câmara de Vereadores perceber que, legalmente, não tinha poder para legislar sobre um sistema metropolitano.

De positivo, uma única mudança que se deu tempos depois: a gestão do Sistema de Transporte Público de Passageiros (STPP/RMR) passou a remunerar as empresas de ônibus também pela quantidade de passageiros transportados e, não mais, apenas por quilômetro percorrido.

Foi um avanço.

Mas que parou por aí. É curioso e até indignante para muitos que o fato de aproximadamente 80% do sistema de transporte da RMR passe pelo Recife e, mesmo assim, a capital não tenha poder de interferir nas decisões do setor.

Caso pudesse, aí sim, faria sentido a Câmara de Vereadores criar uma CPI, apesar do estigma que as Comissões Parlamentares de Inquérito adquiriram perante a sociedade, como palcos armados por políticos que apenas fingem que investigam enquanto outros fingem que podem vir a ser punidos.

Quando, na verdade, nada acontece.

Mas o Recife vem há anos delegando a gestão ao governo do Estado, até porque a composição geográfica da Região Metropolitana, na qual as cidades são quase uma só, reforça a necessidade de um sistema de transporte metropolitano.

Operacionalmente, seria difícil ter transportes independentes.

Integrá-los, muito complicado e a população sofreria.

Na última greve de ônibus, quando motoristas, cobradores e fiscais cruzaram os braços por quase uma semana, a Prefeitura do Recife foi cobrada por não intervir na situação e o prefeito Geraldo Julio (PSB) usou exatamente o argumento de que a gestão pertencia ao Estado, o que o impedia de interferir.

Foi o governador Eduardo Campos (PSB) que, depois de ser pressionado, agiu, colocando a Polícia Militar nas ruas e exigindo a circulação dos coletivos.

Sendo assim, a abertura da “caixa preta” do sistema, como defende a Frente de Luta pelo Transporte Público de Pernambuco, tem que começar a ser feita por outro canal, que não a Câmara de Vereadores, mesmo que seja lá onde o movimento encontre uma oposição com um colo mais largo para se aninhar.

E, além de apenas questionar o lucro do setor empresarial perante a qualidade do transporte oferecido, os manifestantes precisam exigir do governo que passe a subsidiar o sistema.

Entendendo que, enquanto o transporte público da Região Metropolitana do Recife for financiado única e exclusivamente pela tarifa - ou seja, por aqueles que pagam a passagem cheia, como se diz no setor -, a conta não fechará.

Chegou o momento de os governos entenderem que o subsídio ao transporte público precisa acontecer.

Seja por meio de uma aplicação direta de recursos, seja absorvendo custos que hoje são bancados pela população que paga passagem, como as gratuidades de idosos, Policiais Militares, rodoviários e até funcionários dos Correios, que representam algo próximo a 30% do custo do sistema.

Essa, sim, é a discussão.