Por Michel Zaidan, sociólogo A conhecida ensaista americana Susan Sontag escreveu um livro sobre as fotografias de guerra, chamando a atenção para a empatia do fotógrafo com o sofrimento das vítimas civis, fotografadas.
Dizia ela, que não bastava fotograr, era preciso “sentir a dor do outro”, para que o trabalho pudesse se justificar tanto do ponto visto estético, como ético.
Esse desafio da escritora americana foi admiravelmente vencido pelo professor Paul Hindemburg, da Fiocruz-ufpe, ao escrever o livro: “A epidemiologia dos acidentes de motocicleta em Pernambuco”.
O livro, originalmente uma Tese de Doutorado em Saude Coletiva, faz uma análise exaustiva das causas do escandaloso número de acidentes de moto em nosso Estado.
A tese rema contra a maré.
Afinal, são muitos os interesses que estão por trás do fenomeno epidemiológico , interesses economicos poderosos, conivencia público-estatal e a imprevidência dos próprios condutores.
O autor não é um mero pesquisador acadêmico.
Trabalhou na gestão pública do transporte público no Rio de Janeiro, trabalhou nas empresas fabricantes de ônibus e teve uma oportunidade rara de ir a Alemanha, acompanhar e ver de perto como funciona o transporte público naquele país.
Trata-se, portanto, de uma pessoa que tem uma larga e rica ex periência na política de transporte público no Brasil.
E que tem buscado uma atuação prática junto aos órgãos e planejamento e fiscalização do transporte público municipal.
Para abarcar um fenômeno de tal complexidade, Paul procurou abordar a alta taxa de mortalidade dos condutores de motocicletas, de uma perspectiva multidisciplinar. ou seja, esse fenomeno não poderia ser tratado apenas do angulo da política de saúde ou policial.
Essa questão teria que ser tratada como uma política pública, multissetorial, que envolvesse inumeros segmentos e que buscasse uma mudança de qualidade vida e de gestão da própria cidade.
Paulo aliou uma metodologia empírica e quantitativa a uma metodologia qualitativa, que ele chama “a teoria da complexidade”, baseada na obra do antropólogo frances, Edgar Morin.
Segundo esse paradigma, os problemas humanos são complexos e só poem ser tratados de uma perspectiva holística, onde se observasse a interdependencia de vários fenômenos.
Avulta, necessáriamente nesse rol de questões interligadas os poderosos interesses da industria automotiva, que impõe esse padrão de mobilidade (rápida?) à sociedade, através da propaganda, das facilidades locacionais proporcionadas pelos governos e o risco que os próprios condutores preferem correr, em busca do sustento de suas vidas.
O diagnóstico é claro, direto e objetivo: o maior número de acidentes ocorre onde é maior o número de motos como forma de transporte, onde tem maior atividade economica e onde há grandes aglomerados demográficos.
Tudo isso seria óbvio se por trás não estivesse a teia nefasta, mortífera de interesses cruzados das empresas com a benevolência do governo em permitir a expansão incontrolada e ilimitada dessa forma de transporte, em prejuizo da expansão da bicicleta, da metro, do ônibus, com vias segregadas, mais fiscalização, sinalização e educação no trânsito.
Infelizmente, impera a vontade dos fabricantes e as opções de “mobilidade” rápida dos gestores públicos, em contextos urbanos desorganizados.
Esperar dos próprios condutores que evitem escolhas perigosas ou troquem suas motos por bikes ou ônibus, é como pedir aos turistas que evitem trechos da praia, onde ocorrem ataques de tubarão.
Natura lmente, que a inércia (ou a vontade) do poder público em parelhas com o interesse economico privado é que têm desenhado a política do transporte municipal em nosso Estado.
E esse desenho tem sido profundamente nocivo à população, que diante da necessidade, tem ás vezes que assumir conscientemente o risco de morrer no trânsito desordenado de nossas cidades.
A questão que fica é: quantas vidas humanas ainda serão sacrificadas nessa guerra de todos contra todos ( e deus por ninguém), até que as autoridades públicas tomem como prioridade a oferta boa, confortável, salutar e barata de mobilidade para a população, enfrentando com coragem e determinação o “lobby” das empresas de automóveis e motoclicletas?