Por Pedro Henrique Reynaldo Alves, presidente da OAB-PE Quando grandes temas estão em processo de apreciação e deliberação no Congresso Nacional, ameaçando contrariar e atender interesses dos mais diversos, é preciso que sejam identificados os pontos de consenso e negociadas as questões controvertidas, com o objetivo de alcançar uma proposta plausível de aprovação pela maioria dos parlamentares.

O Brasil já se acostumou com a máxima: “Não foi a reforma ideal, mas foi a possível”.

Reformas profundas, baseadas em quebra de paradigmas, trazem em seu bojo um elemento que muito assusta a nossa classe política: o novo.

Tal fenômeno integra o chamado jogo democrático e ocupa as nossas lideranças políticas nessa atividade tão essencial para o Estado de Direito, que é o de administrar os diferentes grupos de pressão em face das bandeiras e propostas que cada partido ou agrupamento político acredita.

No que toca à reforma de nosso sistema eleitoral, as divergências de propostas e antagonismo de interesses dos atores políticos são ainda agravadas pelo clamor da população por uma revisão imediata, que já valha para as próximas eleições, o que alimenta os temores individuais de cada parlamentar a virem a ser prejudicados pelas novas regras em suas pretensões eleitorais, obrigando-os a cortar na própria carne.

Atenta a este momento histórico, a OAB apresenta ao país, uma alternativa de reforma política e eleitoral, a ser veiculada por Projeto de Lei de Iniciativa Popular, que depende da assinatura de 1,6 milhão de eleitores, na esteira da campanha denominada “Eleições Limpas”, lançada no Estado de Pernambuco na última quarta-feira, dia 24, no auditório do TCE, com as ilustres presenças de nosso Presidente Nacional da OAB, Marcus Vinícius Furtado Coêlho, da Presidente da UNE, Virgínia Barros, da Presidente do TCE, Teresa Duere, do Presidente em exercício do TRE, Fausto Campos, dentre tantas autoridades, juristas, políticos, advogados, universitários e cidadãos pernambucanos.

A OAB, juntamente com mais de 100 entidades da sociedade civil organizada, dentre elas a ABI, CNBB, MCCE etc., construiu proposta centrada em três eixos distintos, a saber: 1) “Financiamento democrático” das campanhas eleitorais – Pelo qual haveria a proibição de doações de campanha por empresas, o que já é objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pela OAB junto ao STF.

Tal proposta vem acompanhada da criminalização do chamado “caixa 2” e da significativa redução dos custos de campanha, mediante fixação de limites máximos de gastos pelo Tribunal Superior Eleitoral; 2) Instituição do “Voto Transparente”, com o aprimoramento de sistema proporcional de eleição – Estabelecendo-se votação em dois turnos para os cargos do legislativo, onde, no primeiro turno, o eleitor votaria no partido que quisesse, de acordo com as propostas apresentadas na campanha de cada uma dessas agremiações que melhor se identificasse, enquanto que, no segundo turno, poderia optar por votar em um dos candidatos daquele partido, integrante de uma lista contendo o dobro de vagas que o partido faria jus nas eleições (vagas estas definidas de acordo com apuração dos votos do primeiro turno).

Tal proposta vem acompanhada da previsão de normas que asseguram uma maior democracia interna no âmbito dos partidos políticos, combatendo o chamado caciquismo, prevendo eleições diretas para a elaboração das listas de candidatos, em processo cujas normas gerais do sistema eleitoral também se aplicarão às deliberações internas dos partidos; 3) Ampliação da liberdade de propaganda eleitoral – Em paralelo à drástica redução dos custos de campanha, propõe-se que as propagandas no ambiente virtual da internet sejam liberadas, com uma maior liberdade de manifestação de candidatos e eleitores nas redes sociais e outras mídias eletrônicas.

O principal alvo da proposta do chamado financiamento democrático das campanhas é o combate à corrupção, já que a principal causa dos elevados índices de corrupção em nosso país é justamente o financiamento da política pelas empresas, como grandes empreiteiras, bancos, prestadoras de serviços etc., que aportam recursos na expectativa de auferir vantagens financeiras em contratos com o Poder Público.

Na prática, e isso é sabido por todos, as campanhas políticas em nosso país acabam sendo pagas de forma ilícita e indireta pelo próprio erário, através de contratos administrativos dirigidos, por licitações viciadas, e muitas vezes com preços superfaturados.

As empresas financiadoras das campanhas políticas, em 99% dos casos, se dividem entre as corruptoras, que contribuem de maneira mal-intencionada para obter retorno financeiro do Poder Público, e as achacadas, que são alvo dos pedidos de dinheiro dos candidatos e se veem ameaçadas de retaliação em caso de não contribuírem.

Somente a ilusão, a ingenuidade ou a má-fé, portanto, pode animar aqueles que dizem que o atual modelo de financiamento de campanhas é adequado por não sacrificar os cofres públicos.

O segundo eixo da proposta, alcança dois objetivos igualmente importantes, ao aprimorar nosso sistema de eleição proporcional, evitando o fenômeno “Tiririca”, pelo qual o eleitor vota em um candidato e, por contrabando, elege outros nomes desconhecidos, e também fortalece os partidos políticos.

Dentro desse novo modelo, inclusive, se está inutilizando as coligações casuísticas dos partidos, proibindo-se a soma de tempo de televisão e dos recursos de campanha.

A maior crítica que se desfere a esta proposta, que até agora chegou ao meu conhecimento, é a sua novidade, o que a sua experimentação no curso do tempo cuidará de sanar.

A ampliação das possibilidades de manifestação e propaganda dos candidatos no ambiente virtual, por sua vez, além de atender à inevitável demanda dos tempos atuais vai de encontro aos valores democráticos da liberdade de expressão e à pretendida redução dos custos da campanha, se colocando em sintonia com o principal meio de difusão de ideias e informações entre os nossos jovens.

O lançamento em Pernambuco da campanha “Eleições Limpas” foi seguido de um Seminário a respeito da reforma proposta pela OAB, onde puderam palestrar personalidades do mundo jurídico e científico, em um processo dialético que vem enriquecendo o debate sobre a reforma política e certamente influenciará a redação final do Projeto de Lei a ser apresentado no mês de agosto.

Honrando a sua tradição democrática, a OAB vem recebendo e considerando as críticas dirigidas ao projeto, divisando, contudo, dentre seus autores, aqueles que pretendem, de forma fundada e propositiva, melhorar a proposta, daqueles que simplesmente não têm proposta, seja por ver-se contrariado em seus interesses ou pelo fato de não poderem se arvorar de partícipes das criativas soluções indicadas no projeto, que no presente momento já se apresenta como a 2ª opção de reforma de cada um dos maiores partidos políticos do Brasil, conforme tratativas mantidas entre o nosso Presidente Nacional da OAB, com as principais lideranças dessas agremiações (naturalmente que a 1ª opção é a reforma proposta individualmente por cada um dos partidos).

A OAB não tem medo do novo e não pretende alcançar com essa proposta apenas uma “reforma possível”, mas sim colher uma oportunidade histórica de pressão popular para trazer mudanças profundas em nosso sistema político, para o aprimoramento de nossa representação popular e, sobretudo, para enfrentar uma das maiores chagas de nosso país, que tanto obstacula o seu desenvolvimento socioeconômico que é a corrupção.