Por Manuela Modesto, especial para o Blog de Jamildo Confesso que por vezes fico tão indignada com as cidades não acessíveis, com a omissão da fiscalização e com a indiferença das pessoas que se acham “normais”, que tenho uma vontade danada de soltar um brado retumbante, ou simplesmente me calar em nome da paz.

Porém parafraseando Marcelo Falcão, essa é a paz que eu não quero seguir admitindo!

E continuo bradando, não obstante continuo sem paz…

Mas, enfim, essa foi a minha opção e tenho fé que um dia verei o resultado dessa luta…

No mais, após o acidente de 2010, passei quase 1 ano morando em hospitais e não posso negar que foi bem difícil não poder frequentar ambientes externos ao ambiente hospitalar.

Naquele período a minha doce ilusão era pensar que ao sair daquele local, como mágica, tudo estaria resolvido e eu seria novamente feliz, voltaria a ter uma vida normal, tranquila e alegre.

Ademais, o que eu mais queria era ter a minha vida de volta com suas felicidades e frustrações.

Não por acaso, eu não teria a minha vida como era, tive que me reinventar e essa missão não foi fácil, aliás, essa foi e continua sendo o desafio mais difícil que tive que enfrentar…

Por muitas vezes sofri, chorei, escondi meus sentimentos, minhas decepções e tentei encarar com naturalidade o mundo que agora se apresentava a mim e nesse mundo existiam alguns atores, antes pouco conhecidos por mim, como o preconceito, o desrespeito aos direitos do cidadão com deficiência, a intolerância as diferenças.

Não raro tive que enfrentar muitos momentos em que me obriguei a conversar duramente com gerentes de estabelecimentos comerciais que não possuem os padrões mínimos de acessibilidade preconizados no decreto federal 5296, conhecido como Lei da Acessibilidade, outras vezes tive que brigar com funcionários públicos que deveriam fiscalizar a ausência de acessibilidade e o mais triste de tudo que tive que enfrentar foi perceber que a minha atual condição de mobilidade afastou tantas pessoas que antes sempre estavam perto de mim…

Decerto que os sentimentos verdadeiros superam qualquer adversidade, mas não posso negar que é muito triste ter a certeza que eu estava cercada por falsidades e mentiras.

Hoje, consigo ver mais claramente as pessoas e a realidade e nem sempre o mundo que nos apresenta é bonito.

Por vezes a fantasia pode ser mais bela e mais atrativa do que o mundo real, mas por mais dura que seja a realidade, prefiro encará-la, conhecê-la, enfrentá-la e transformá-la.

Afinal, qual a paz que eu não quero conservar para tentar ser feliz?

A principio a indignação pode nos dar uma força sem precedentes para enfrentar qualquer situação, mas depois o que nos sobra é a frustração pela ausência de conscientização, pela ausência de atitudes e pelas omissões.

Fato como esse aconteceu comigo no ultimo final de semana em que planejei dias felizes com minha família em Gravatá, para comemorar o aniversário do meu sobrinho e para isso reservei o quarto adaptado e acessível do Hotel Villa Hípica.

Deparei-me no quarto “adaptado” do referido hotel com um banheiro completamente fora das especificações da norma de acessibilidade, a NBR 9050.

E para não me estender em um assunto que me traz lembranças ruins, o resumo da história foi que não consegui usar o banheiro do quarto que paguei para me hospedar com condições adequadas, tive o meu final de semana em família destruído, tive uma “conversa” não agradável com o gerente do hotel e voltei para Recife triste pela grande lacuna existente entre as necessidades das pessoas com deficiência e a realidade que se apresenta a elas e, mais uma vez, sem paz de espírito.

Permaneci assim por alguns dias, por não aguentar mais tentar sorrir a cada vez que o Mundo me dizia não, até escutar as palavras do sacerdote, em missa no meu prédio, que leu o evangelho de Mateus, capítulo 11, em que Jesus chamava a si os cansados e oprimidos, pois o seu fardo era leve.

Foi aí que percebi o forte exemplo do Homem que teve sobre si os pecados do mundo, morreu por nós e mesmo diante de todo esse peso encara o seu fardo como leve e nos conforta a alma, realmente, perante ele o peso que carrego é ínfimo…

Sai da missa leve e percebi a força que as palavras de Jesus têm sobre nós e como precisamos delas.

Lembrei-me que no momento logo após o acidente que me destinou a paraplegia foi à oração que me confortou e me deu a lucidez para enfrentar todas as dificuldades que eu teria pela frente.

Como também foram as orações que me afastaram do desespero toda vez que ele se aproximou de mim.

E foram 2 padres e mensageiros de Deus que me reconduziram a esperança e a fé em meio a incerteza e a tragédia que pairaram na minha vida.

Por isso perante a vinda do Papa Francisco para o Brasil na Jornada Mundial da Juventude e observando tantos jovens missionários repletos de amor e doação ao mundo, renovo a minha esperança no mundo e nos homens e findo nossa reflexão com as palavras do nosso sábio papa: “Devemos prosseguir sempre, sem nos desencorajar.”.