Por Pedro Henrique Reynaldo Alves, presidente da OAB-PE Assistimos perplexos e maravilhados, nas últimas semanas, eclodirem nas ruas das principais cidades de nosso País, mobilizações e passeatas aglutinando multidões, movidas pelas mais variadas causas e bandeiras e igualmente imbuídos de sentimentos e propósitos dos mais diversos.

Indignação, frustração, descrença, raiva, patriotismo, entusiasmo vêm animando manifestantes de várias “tribos” a ganharem as ruas e transformarem o Brasil.

Transformar exatamente no que e de que forma eles, assim como todos nós, ainda não sabem, mas o próprio levante em si mesmo já constitui uma transformação benéfica, que nos leva a crer que “nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia”.

Na condição de eterno estudante, não ousarei decifrar as causas e conseqüências desse fenômeno sócio-político, que tem ocupado as mentes bem mais brilhantes de nossos cientistas políticos, filósofos e sociólogos, mas quero me deter aqui na animadora e determinante participação de nossas lideranças estudantis, que sempre tiveram um papel de grande influência na transformação de nossa sociedade.

Por muito tempo o movimento estudantil parecia adormecido ou entorpecido num sono letárgico, deixando de se manifestar sobre temas palpitantes e que dizem respeito a suas bandeiras históricas de luta.

Nos últimos anos, foram muitos temas e fatos que propiciaram férteis discussões e reações de setores da sociedade civil, em razão da atuação do Governo Federal, onde o embaraçoso silêncio das lideranças estudantis colocou em dúvida a autonomia dos diretórios e uniões de estudantes, que sempre tiveram estreita ligação com partidos políticos da chamada esquerda.

Foi assim, por exemplo, com os ensaios de Estado Policial que se instaurou no País em 2005, ou mesmo nas exóticas idéias de limitação da imprensa livre, periodicamente suscitadas, nos escandalosos casos de corrupção (valerioduto, mensalão etc.), e ainda, mais recentemente, nas (necessárias) privatizações de equipamentos de infraestrutura, como aeroportos, portos e rodovias, onde não se ouviu ou vislumbrou qualquer crítica ou reação mais veemente dos estudantes.

As suspeitas de cooptação político-partidária chegaram a colocar em xeque a própria credibilidade dos diretórios e uniões acadêmicas, que se limitaram por algum tempo a tratar de questões intestinas das faculdades, se afastando dos grandes temas da sociedade que sempre deram vida a tais instituições.

A presença novamente do povo nas ruas e em especial dos estudantes pernambucanos, nos encheu de alegria e esperança já que o nosso Brasil carece de mudanças profundas, e estas não se dão sem uma participação efetiva da nossa juventude, a quem cabe veicular, com a força de sua paixão, todos os anseios da nova geração por uma nação mais justa, fraterna e solidária.

Certamente que nem tudo são flores nessas manifestações que vêm envolvendo grandes massas, ocorrendo reprováveis excessos por parte de alguns manifestantes, ou mesmo de vândalos infiltrados nas mobilizações.

Na dispersão da passeata realizada no Recife na última quarta-feira, cenas de quebra-quebra e enfrentamento destoaram do clima harmônico e pacífico no qual se deram as diversas manifestações em território pernambucano.

O resultado de tal enfrentamento revelou alguns danos ao patrimônio privado e público, e, ainda foram vitimados alguns poucos policiais, alvejados com pedras no cumprimento de seu dever.

Isso, contudo, por mais cruel que pareça, faz parte dos riscos da atividade policial, inerentes a essa importante missão pública, e portanto não pode justificar abuso de autoridade muito menos o uso injustificado de violência em uma manifestação predominantemente pacífica.

Da mesma forma que acho risível se criticar o trabalho das Comissões da Verdade em todo País, por não se ocuparem dos fatos violentos perpetrados pelos militantes de esquerda contra agentes do establishment, também rechaço aqueles que pretendem justificar violência e arbitrariedade policial em razão de agressões ou ameaças sofridas pelos agentes da polícia.

A lógica para desconstruir essas duas equivocadas e reacionárias visões é a mesma: o Estado deve servir ao cidadão, inclusive propiciando-lhe segurança, sempre pautado pela lei e respeito às garantias individuais constitucionalmente asseguradas.

Enquanto compete ao próprio Estado, através da Polícia, Ministério Público e Poder Judiciário, perseguir e punir, de acordo com a lei, aqueles que agridem pessoas (policiais ou não), não é dado à sociedade exercer suas próprias razões para perseguir e punir agentes do Estado que também incorram em agressão.

Líderes estudantis com suas caras pintadas de verde amarelo, ou azul e branco, bradando gritos de ordem, seja com que mensagem for, desde que de conteúdo pacífico, não podem ser confundidos com vândalos e criminosos, que geralmente se escondem atrás de máscaras ou camisas amarradas ao rosto.

Colocá-los num mesmo “balaio” e dispensar-lhes igual tratamento é querer negar a história de nossa democracia, construída com a força motriz da juventude e em especial dos estudantes brasileiros.

O recolhimento de uma líder estudantil para o Presídio Bom Pastor pelo fato de supostamente portar uma bolsa com bombinhas de São João – que certamente no jargão policial assumirão o caráter de artefatos explosivos – é uma medida desarrazoada e de flagrante equívoco, que põe a perder todo o esforço das autoridades de segurança em lidar com essas mobilizações.

Procurei alertar as autoridades competentes sobre esse equívoco, mas não fui ouvido.

Preferiram seguir cegamente as balizas de seus protocolos, ignorando as nuances do caso e, sobretudo, desconsiderando a dimensão do atual momento político de nossa nação, que vem sendo chacoalhada pela força de nossa inconformada juventude.

Espero que esse episódio seja objeto de reflexão pelas autoridades de nosso Estado, para que possam aprender com seus erros e não repeti-los, posto que, do contrário, em nada estarão contribuindo para a almejada cessação dessas passeatas, que já cumpriram com seu objetivo maior de forçar nossos governantes e agentes políticos a uma reforma legislativa, institucional e comportamental em nosso País.

Creio que neste momento a hora é de traduzir todas as mensagens vindas das ruas em uma pauta de reivindicação concreta, para melhoria dos serviços públicos, notadamente os de saúde, educação, segurança e transporte, e também para um profunda reforma de nosso sistema político e eleitoral, sem a qual dificilmente haverá uma reconciliação do povo (origem de todo o poder) com seus representantes nos parlamentos.

A OAB/PE, atenta ao seu papel institucional, cumpriu até então um papel de observadora dessas manifestações, de forma a pugnar pela liberdade de associação para fins pacíficos, visando garantir a livre expressão democrática dos manifestantes, e também como fiscalizadora do respeito às prerrogativas profissionais dos advogados que estão assistindo juridicamente aqueles que são justa ou injustamente detidos pela Polícia.

Agora, com o decantar de tantas e novas informações, em sintonia com o Conselho Federal da OAB, aliado a diversas igualmente importantes entidades, como CNBB, ABI, Movimento de Combate à Corrupção e tantas outras, buscaremos articular as idéias e propostas em projetos de lei de iniciativa popular, para que tenhamos a indispensável reforma de nosso sistema político-eleitoral, além de mudanças estruturais na saúde e educação.

O primeiro ato público da OAB/PE já está agendado para o dia 10/07/2013, onde coletaremos assinaturas de adesão ao Projeto de Lei Saúde+10, para que a saúde pública em nosso País seja tratada com a devida prioridade orçamentária.

Os estudantes de Pernambuco serão muito bem-vindos a este ato, assim como o são sempre em nossa instituição, que também poderá se prestar como veículo para suas reivindicações, de forma a não dispersarem sua energia transformadora e nem desperdiçarem essa oportunidade histórica de fazer prevalecer a vontade popular em nossa nação.