Otávio Luiz Machado Muitos me perguntam como foi possível de uma hora para outra a ocupação de espaços públicos em todo o País por milhares de pessoas sem que aparentemente houvesse um fato decisivo que o desencadeasse. É primeiro relatar que múltiplos protestos já aconteciam espalhados sem conseguir agregar muitos participantes país afora, embora com muita repercussão na imprensa e na sociedade, conforme nossas pesquisas já registraram com dos estudantes contra o aumento das passagens e em prol da melhoria dos serviços públicos, as marchas pela ampliação de direitos como a descriminalização da maconha, os direitos LGBT e das mulheres, a luta comunitária dos trabalhadores informais e dos atingidos pelas obras da copa e do reordenamento urbanos com participação popular, incluindo a resistência à privatização ou degradação das áreas de convívio coletivo e da denúncia do impacto das obras de mobilidade para a copa.
Todos esses movimentos passaram a se conectar gerando uma consciência de solidariedade que apontava para a necessidade de uma nova cidadania e da radicalidade democrática, o que a bibliografia mais recente tem apontados nos mais diversos movimentos do Occupy, por exemplo.
Nos meus livros MÚLTIPLAS JUVENTUDES: PROTESTOS PÚBLICOS E NOVAS ESTRATÉGIAS DE MOBILIZAÇÃO JUVENIL EM RECIFE e PROTESTOS PÚBLICOS E OUTRAS CENAS DE CIDADANIA busco trazer o cotidiano dos protestos em análises e imagens, o que corresponde ao que penso estar produzindo os atuais protestos.
Podem ser analisados e baixados aqui: Os coletivos já mobilizados em períodos anteriores conseguiram atingir o centro da insatisfação popular nesse momento, que vem de um princípio de desesperança quanto aos rumos do País, conforme vimos no cenário de guerra urbana. É natural para o ser humano produzir uma reação descontrolada numa situação de indefesa, porque se os sindicatos, entidades oficiais que representam os principais movimentos sociais e o próprio setor público até então não fizeram muita coisa para a resolução dos problemas que nos afligem, foi a saída às ruas o único caminho diante dessa indefesa coletiva.
A frase ímpar que representa essa posição foi a seguinte: “Desculpe o transtorno; estamos mudando o País”.
Diante das exclusões que levam para longe do conjunto dos cidadãos uma condição de sujeitos de direito, a preocupação quanto ao futuro do País falou mais alto, porque a perda do poder aquisitivo com a volta da inflação e esse pano de fundo de uma copa do mundo nada “rentável” para a maioria que somos nós exigia no mínimo uma resposta, uma reação, um grito.
Se a denúncia está justamente no distanciamento dos anseios populares do poder público, a aproximação marcante de tantos movimentos e pessoas certamente vai diminuir esse fosso entre o Estado e a sociedade civil a partir de agora.
O pronunciamento da Presidenta Dilma passa um atestado de incompetência incrível, pois se o momento é de “ouvir as vozes democráticas que exigem mudanças” (Dilma em pronunciamento em 21 jun. 2013), por qual motivo isso não foi estimulado anteriormente?
Os conselhos, as ouvidorias, o Parlamento, os movimentos dito organizados e a oposição que estão aí denunciando não tiveram força ou interesses suficientes para que muitas das nossas demandas se tornassem efetivos.
A Presidenta diz que quer ouvir as lideranças, mas para ouvir mais o que?
Não é possível que não tenha ouvido até agora o que a população reclama em alto e bom som pelas ruas, praças e pontes do nosso País.
Não é possível que nenhum nível de governo conheça as demandas e os gargalos, cuja obrigação agora é de agir para o atendimento do que não tiveram capacidade nem interesse de realizar. É preciso diminuir a incompetência em órgãos públicos, como no comando da educação, da economia, da cultura, do planejamento, etc.
A Presidenta produziu uma verdadeira pérola no seu pronunciamento ao dizer que não se pode tolerar essa violência dos protestos, porque ela envergonha o Brasil.
E a violência “comum” não envergonha o País?
E a impunidade dos corruptos não igualmente envergonha o País?
Será nesse espaço entre o atendimento das demandas e o realinhamento do poder público em sintonia com a sociedade que se encontra o teste de fogo da democracia brasileira.
Não foi só o sentimento de indefesa coletiva que produziu os protestos que tomaram o País, mas o sentimento de expropriação coletiva vindo com o diferencial para a copa em contraste com a indiferença com os serviços públicos essenciais voltados ao cidadão que vive no andar de baixo.
As imagens do luxo dos estádios (Padrão Fifa) que abrigarão muitos poucos – contrastando com os prédios públicos – é o mais claro exemplo de que os políticos fazem as dívidas e manda a fatura para o povo pagar, configurando como mais uma incompetência dos órgãos públicos.
Essa dívida enviada para o povo pagar, como compromete o presente e o futuro de todos nós que gerou esse sentimento de expropriação permanente e indefinida que levou uma multidão às ruas.
As pessoas acuadas pela violência urbana, pelo enxugamento maior dos seus orçamentos e pelo cinismo dos governantes que não conseguem nem explicar como vão solucionar os problemas mais elementares do País, percebeu no contexto de uma pré-copa com esse torneio das Confederações que até agora nada do que foi prometido que viria com a copa surgiu ou haverá possibilidade de acontecer.
A “internet” já vinha fazendo um trabalho de cidadania incrível, que engloba todas as faixas etárias, classes sociais e espaços geográficos diversos.
Foi uma variável fundamental para a mobilização popular, pois a cada momento fica difícil não saber das coisas que acontecem e não se revoltar.
Mas foi o Movimento Passe-Livre, que não estava contaminado com esse ranço da política tradicional que deu credibilidade e abertura de espaço para inúmeros grupos de movimentos juvenis até alcançar parcelas significativas da população.
Vimos mais uma vez os movimentos de juventudes emprestar o seu potencial para dar voz aos justos anseios de toda uma sociedade.
Nós que estamos aí produzindo cidadania aos jovens desde longa data contribuímos um pouquinho para a formação cidadã e a reflexão crítica de movimentos e jovens que foram à ruas novamente, o que os atuais protestos nos orgulham e nos dizem que precisamos fazer muito mais. É pesquisador, educador, escritor e documentarista