Por Fernando Magalhães Uma palavra destaca-se, nos últimos dias, tanto na mídia como na direita agora travestida de rebelde: vandalismo. À primeira vista e, particularmente, para uma massa ingênua e despolitizada, o temor de que a “baderna” (outro termo muito caro à imprensa que os mais sensatos já apelidaram de PIG) conduza a uma condição de mais-violência tem certa razão.
Contudo, e seguramente por motivos ideológicos, até o momento nenhum comentarista (ou analista convidado pelas emissoras) procurou apontar a distinção entre violência gratuita e violência defensiva, legítima.
Omissão que acaba por criminalizar os movimentos sociais e lançar a classe média conservadora os cidadãos que lutam por uma sociedade mais justa e menos desigual.
Excetuando casos episódicos de “vandalismo explícito”, praticados não por manifestantes, mas por uma vintena de “figurantes” pertencentes aos setores marginalizados da sociedade (o que acontece até mesmo nas grandes revoluções – Lênin chegou a ordenar a execução sumária de todo aquele que fosse encontrado promovendo saques ou pilhagem nas lojas de Moscou e outras cidades) –, as manifestações têm ocorrido de forma pacífica.
A violência, quando ocorre, parte, invariavelmente, do aparelho repressivo de Estado, no caso a PM.
Aqui, porém, a força é “desculpável”, à medida que se trata da questão de manter a ordem e a tranquilidade.
Tranquilidade de quem?
Obviamente, essa não é a opinião dos “violentados” de Pinheirinho nem das vítimas da limpeza social realizada por Geraldo Alckmim na cidade de São Paulo.
Nos fatos que sacodem o Brasil, neste momento, o Estado, formalizado legalmente pela farda a serviço das classes dominantes, emerge como a face visível do lado obsceno do Outro, isto é, da violação dos direitos e da brutalidade como objeto de desejo (seria necessário um exame mais prolongado, e do ponto de vista psicanalítico, da atração que sentem os membros das forças militares de despejarem sua ira nos indefesos, tendo em suas mãos o avatar de um objeto fálico).
Sua principal trincheira avançada, a tropa de choque, é a primeira a perder o controle à simples menção de um insulto, ou mesmo de um gesto que seus integrantes interpretem, isoladamente, como ato de agressão.
Não obstante a crença de esferas específicas da sociedade, de que o único a deter o poder de reprimir qualquer ação violenta, venha de onde vier, é o aparato policial (resíduos do inconsciente weberiano?), na realidade o problema não é tão elementar como se quer apresentar.
O impulso erótico (no sentido freudiano da luta de Eros contra Tânatos) de rebelião carrega, igualmente com ele, o direito à violência.
A legitimidade não se encontra no comportamento pacífico, mas já justeza do ato.
A multidão que tentou entrar na prefeitura de São Paulo, aquela que invadiu a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, e mesmo a que conseguiu escalar o telhado do Congresso Nacional (“invasão” pacificamente conduzida por um pequeno número de participantes), executavam ações legítimas de rebelião.
Ainda que as massas que se encontravam diante do Palácio Tiradentes, conseguissem seu objetivo, que era o de ocupar a sede do governo, estavam exercendo o seu direito de revolta.
Todos devem ter a clareza de que, quem quer os fins quer os meios.
A ideia de manifestação pacífica e ordeira sempre foi a palavra de ordem do sistema estabelecido para impor, com a violência que condena nos outros, sua própria agressividade.
Robespierre perguntava àqueles que hesitavam frente a um evento da dimensão da Revolução Francesa: “Senhores!
Quereis a revolução sem revolução?”.
Não estou dizendo, com isso, que os manifestantes devem começar a praticar essa potência avassaladora nas atuais manifestações.
Não nos encontramos, ainda, num processo que possamos chamar de revolucionário (embora exista uma tendência a mudar o mundo por meio da democracia direta, aliada a um sistema representativo de ”tipo novo”, isto é, uma representação ampliada em que o cidadão sem partido possua condições de eleger-se, mas que possa ter seu mandato revogado a qualquer momento).
Apenas tento demonstrar que defender-se do aparato repressivo do Estado, também é, ainda que um modo reativo de resposta, violência legítima.
E se a multidão crescer consideravelmente, e pedir a renúncia do parlamento, por exemplo, seria um ato ilegal apenas por que votou, há 3 anos, em meio milhão de indivíduos que, a partir do momento em que se instalou no Congresso passou a decidir pelo povo questões que ele jamais aprovaria?
Ou seria uma versão mais legítima ainda desse movimento, a criação original de um poder verdadeiramente constituinte?
A violência sempre vai estar presente em qualquer tipo de rebeldia.
Ou alguém se esqueceu de que em 1968 os estudantes faziam barricadas e arrancavam os paralelepípedos das ruas para enfrentar a polícia francesa?
Afinal, como dizia Vegécio, “aquele que deseja a paz que se prepare para a guerra”; e todo aquele que pretenda levar sua vidinha medíocre do trabalho para casa, achando que jamais vai encontrar uma pedra no meio do caminho, “descanse em paz”.
Prof. do Programa de Pós-Graduação da UFPE.