Foto: reprodução da internet Por Miguel Rios, colunista do NE10 Confio nos meus amigos paulistanos.

Nem tenho tantos lá por São Paulo, mas os que se aconchegam são da melhor qualidade, de fé, irmãos, camaradas, com olhos e garganta ardendo de gás de pimenta.

Confio que eles têm amigos de igual valor, que, por sua vez, têm amigos, em uma corrente de igual valor.

Que nunca iriam às ruas para tocar o terror, fazer arruaça, bater em gente.

Confio.

Sei que eles saíram pelo que é certo.

Contra a opressão, pela liberdade.

Porque ficou insuportável ser um paulistano inconformado, que quer mudanças.

A truculência de cima mexeu no brio, doeu, despertou um “PERAÊ!” monstro como se assiste.

Estou certo que os R$ 0,20 de aumento de passagem foram apenas o gatilho.

De que nem se desconfiava que se alastraria tanto, daria no que deu.

Agora se trata de não à mão de ferro, não aos equívocos, ao enganar, ao zombar da cara das pessoas.

De “CHEGA!” Confio que se trata de desafogo.

De se irritar com um tal blog que reduziu passeatas iniciais a um bando de filhinhos de papai, todos da raça branca, chorões, orquestrados contra o governo popular.

De exigir que se relatem os fatos, sem dois pesos, duas medidas.

De estar de saco cheio de conveniências e moldagens midiáticas, partidárias e classistas.

Nada mais de editoriais que os chamam de arruaceiros, de que protesto bom é protesto quietinho, de timeline.

Nada mais de governantes com discursos afinados, que se dizem de lados contrários na hora do palanque, mas se unem na pirraça e na opressão.

Nada mais de partidos sacralizados, inquestionáveis, de políticos adorados tal qual a Virgem Maria.

Nada mais de se curvar.

Creio que se trata de não entender, de não aceitar, como se marcha com cartazes, cobrando direitos e explicações, e se vira alvo de balas de borracha.

De que a rua é do povo, de que protesto incomoda, que sem causar aborrecimento é desfile.

Quiseram sim desagradar.

Nunca, agredir.

Acredito nos relatos dos meus parceiros redessocialistas quando descrevem que eles chegam, se acumulam, fazem zoada.

De que não quebram, de que criticam quem destrói, quem quer se amostrar, se idiotizar.

De que vaiam quem sobe e pula em banca de revista, para acabar com o ganha-pão de trabalhador, ou quem sem motivo amassa carro, prejudicando aquele que está parado, sem insultar.

Solidariedade total a quem me conta como passou momentos como se fosse criminoso, correndo de escudo e cassetete, quando tinha apenas a voz para o confronto.

Eles me garantem que “badernar” não é o verbo, que “vandalizar” menos ainda.

Que “reagir” encaixa melhor.

Que pedras, paus, garrafas de água mineral voam porque ninguém é acuado e fica lá sem tentar defesa, apelar ao que tem.

Nem um pinto.

Acredito ainda mais porque vejo as imagens mudarem.

Neste pós-jornalistas feridos, a câmera e o poder de edição desviaram o foco.

Antes, a população era mostrada em pânico, com depoimentos como o de um senhor apavorado pela filha estar presa dentro da faculdade, sem poder sair.

Qualquer um ficaria.

Mas se direcionava a culpa para um lado só.

Adivinha qual?

No mínimo, não se explicava direito, se ensaboava, ficava no ar.

Agora se tem até manchete dizendo que a polícia reagiu com violência.

Deixaram de ser “baderneiros”.

Viraram “manifestantes”.

As imagens os apresentam caminhando, de braços erguidos, gritando “Não violência!” E recebidos com armas apontadas. “Daqui não passam!” Quando impedidos de ir à Avenida Paulista, a aorta, para não importunarem demais, não atrapalharem o trânsito, um lapso, talvez provocação interna de algum desobediente e astuto editor de TV, nos brinda com uma legenda que nos diz tudo: “Polícia fecha a Avenida Paulista nos dois sentidos para evitar que os manifestantes fechem a Paulista”.

Confio e me alegro com meus bróders paulistanos.

Devem ter se contaminado com os turcos, com o cheiro repugnante, e, ao mesmo tempo, estímulo ao orgulho, do gás lacrimogêneo, que se espalhou pela praça Taksim, e agora contagiam cariocas, porto-alegrenses e, quem dera, outros mais.

Confio e me alegro por vê-los pressionando, postando, denunciando, mas também saindo do Facebook e do Twitter.

Respirando.

Transpirando.

Prontos para mais.

Eles me confirmaram uma impressão que sempre guardo de São Paulo.

Nem tudo por lá é ganância, frieza, pressa, um chopes e dois pastel, os mano e as mina, engarrafamento, consumismo de Oscar Freire ou 25 de Março. É uma megacidade com artérias entupidas de carros, desilusões e desejos de vida melhor.

E é cada planta desautorizada que estoura o concreto com a beleza imortal da resistência.

Por agora, de novo, por graça, humana.