Por Pedro Henrique Reynaldo Alves, presidente da OAB-PE A sabatina do jurista Luís Roberto Barroso no Senado Federal, indicado pela Presidente da República para integrar o Supremo Tribunal Federal, no último dia 5 de junho, foi um desses momentos memoráveis de nossa comunidade jurídica nacional, que serviu para alimentar a crença em nossas instituições.

Sem fugir ou tergiversar de qualquer questão, o novo Ministro, nomeado no dia seguinte pela Presidente, mostrou toda sua bagagem de conhecimento e erudição jurídica, além de notável sensibilidade e formação humanística que fizeram dele um dos mais competentes e admirados advogados de todo o país.

No próximo dia 26 de junho, dia de sua posse, o STF ganhará um grande reforço com o ingresso do Professor Luís Roberto Barroso naquele Tribunal, preenchendo, à altura, o vácuo criado pela aposentadoria do eminente Ministro Carlos Ayres Britto, e ainda, de quebra, todo o país ganha o alento de que, diferentemente de algumas infelizes escolhas, esta indicação para a mais alta Corte de nosso país foi pautada pelo critério meritocrático e recaiu sob jurista que atende aos requisitos intrínsecos e extrínsecos dessa importantíssima função pública.

O STF não é lugar para apaniguados ou amigos do rei que venham a servir como ponta de lança para o Governante de então.

Por isso mesmo o cargo de Ministro do Supremo não deve ser postulado por ninguém, mas sim destinado àqueles que não o perseguem, mas que têm a dimensão pessoal para exercê-lo e a noção exata da sua importância para servir à nação.

Acontece que se o STF é o Tribunal responsável por dar a última palavra a respeito de tudo que for constitucionalmente relevante, descabendo recurso contra suas decisões finais, a quem compete controlar ou corrigir o Supremo?

Todo poder em um Estado de direito está sujeito a controle, através, inclusive, de um sistema de freios e contrapesos (checks and balances).

Contudo, o Supremo só está sujeito ao controle dele próprio, através da íntegra de seu colegiado.

O autocontrole que serve para conter os eventuais, e não muito raros, excessos cometidos por Ministros ou turmas do Supremo, é exercido em grau de recurso interno para a deliberação plenária de seus 11 membros.

Daí a importância, em um colegiado tão diminuto, do perfil e dimensão de cada um deles.

O tema ganha relevo na presente quadra da atuação de nosso STF, em que o chamado ativismo judicial vem se revelando cada dia mais frequente e, por vezes, exacerbado.

Colho a lição do próprio Ministro Barroso para quem “o ativismo judicial é uma atitude, a escolha de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance.

Normalmente ele se instala em situações de retração do Poder Legislativo, de um certo descolamento entre a classe política e a sociedade civil, impedindo que as demandas sociais sejam atendidas de maneira efetiva.

A ideia de ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais” (BARROSO, 2006).

O ativismo judicial não é uma novidade, muito menos uma “jabuticaba” que só se vê no Brasil, havendo na doutrina o entendimento predominante que o início mais claro de sua efetiva manifestação se deu no âmbito da Suprema Corte dos EUA, notadamente nas décadas de 50 e 60, sob a Presidência do Chief Justice Warren, que constituiu jurisprudência afirmando direitos fundamentais até então nunca admitidos pelo sistema jurídico norte-americano, como, por exemplo, no caso do reconhecimento do direito dos negros de ocuparem os mesmos espaços nos transportes públicos e instituições de ensino, determinando o início do fim da segregação racial ainda existente naquela nação.

As normas jurídicas, dentre elas a própria norma constitucional, não são estáticas e nem encerram um comando de significado único e invariável com o decurso do tempo e mudança do contexto político, social e cultural, e nem tampouco podem ser compreendidas de forma isoladas umas das outras, sem se levar em conta o todo sistêmico de nosso ordenamento jurídico, muito menos desprezando os princípios irradiados a partir de nossa Constituição.

Esse fenômeno exegético, aliado às normas faltantes de nosso ordenamento, já que o legislador no mais das vezes não atende plena e tempestivamente todas as demandas sociais, formam o ambiente propício do ativismo judicial.

Casos como os da regulamentação do direito de greve no serviço público, fidelidade partidária, vedação do nepotismo, regulamentação do uso de algemas etc., foram regulados pelo STF à míngua de lei federal tratando da matéria e sem que houvesse disposição expressa da Constituição Federal nesse sentido.

Foram casos emblemáticos, onde o Supremo, aplicando os princípios como fonte principal do nosso Direito, atendeu à sociedade em demandas concretas e abstratas, se valendo da interpretação de disposições principiológicas do texto constitucional.

Contudo, há um limite muito claro que divisa o ativismo judicial e a judicialização da política, onde a criação do direito extrapola a área de competência de atuação do Poder Judiciário.

Foram os casos, por exemplo, da liminar deferida pelo Ministro Gilmar Mendes para suspender a tramitação de Projeto de Lei na Câmara Federal, que veda a “portabilidade” do tempo de televisão para propaganda eleitoral dos parlamentares que ingressarem em nova sigla partidária (o caso do partido Rede, capitaneado pela ex-Senadora Marina Silva), e do exótico pedido de informações, formulado pelo Ministro Dias Tófoli para a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, a respeito da PEC 33, que versaria justamente sobre matéria afeta à divisão dos poderes legislativo e judiciário.

Neste último caso, sob o pretexto de considerar a sustação de uma inconstitucional ameaça à separação dos Poderes, sua excelência ameaçou perpetrar uma efetiva violação à separação desses mesmos poderes da República, ao acolher o mero processamento de um mandado de segurança que discute uma censura prévia de constitucionalidade no âmbito do processo legislativo.

Nos dois casos, esse controle prévio da constitucionalidade das leis, ainda em fase de tramitação e discussão no parlamento, hostiliza o princípio da separação dos poderes e são reveladores de um patrulhamento hostil ao Poder Legislativo.

Ontem à tarde, por esperada maioria, a liminar concedida pelo Ministro Gilmar Mendes foi cassada em sessão plenária do STF, e certamente o mandado de segurança admitido pelo Ministro Dias Tóffoli terá o mesmo destino, já que é inconcebível para qualquer estudante de Direito que o Judiciário (mesmo sendo o Supremo Tribunal Federal) possa vir a tutelar e censurar os trabalhos legislativos, antes sequer de promulgadas ou sancionadas as normas.

No lançamento dos eventos comemorativos dos 25 anos da Constituição Federal, o Conselho Federal da OAB realizou grande seminário nesta semana, onde pude assistir o nosso incomparável José Afonso da Silva, que, ao palestrar, disse textualmente que a postura desses citados Ministros, em tais casos, é facilmente comparável à conduta de um ditador, sob o aplauso de todos os presentes.

No mesmo evento da OAB, a despeito de todas as grandes palestras ministradas por ilustres juristas, o momento de maior reverência e aplausos (3 ou 4 minutos ininterruptos) da plateia, foi justamente quando o Ministro Barroso, ao homenagear o Ministro Lewandowski, mencionou sua reconhecida postura de não se deixar pressionar nem muito menos se influenciar pela opinião pública em seus julgamentos.

Esta equidistância, que é uma das qualidades mais elementares de um magistrado, anda escassa em nosso país, o que nos mostra que existem muitos outros “pontos fora da curva” da atuação do Supremo, além daquele identificado pelo nosso novo e merecidamente festejado Ministro Barroso, que certamente contribuirá de forma determinante para que o STF cumpra sua missão constitucional sem bailar na curva.