Por Carolina Albuquerque, do Jornal do Commercio Os nove membros da Comissão Estadual da Memória e Verdade Dom Helder Câmara são unânimes em defender a revisão da Lei da Anistia.

O posicionamento do colegiado não é de hoje, mas ganha força na medida em que a Comissão Nacional sinaliza que recomendará no seu relatório final a revisão da lei promulgada em 1979, ainda na ditadura militar, para que seja permitida a condenação e punição, pela Justiça, dos agentes do Estado que cometeram graves violações de direitos humanos, como mortes, torturas e desaparecimentos.

O tema é contraditório, do ponto de vista jurídico e político.

Em meio ao balanço de um ano de atividades, completado ontem, a Comissão Estadual não vai se furtar a esse debate, na esteira da tese de que a sociedade brasileira precisa enfrentar a questão para fazer com que os crimes cometidos contra os direitos humanos virem por definitivo passado.

Testemunha ocular e um dos protagonistas do embate da Lei da Anistia no Congresso Nacional, o coordenador da Comissão, Fernando Coelho, então deputado federal pelo MDB, tem feito discursos duríssimos nas audiências e sessões públicas a favor da reinterpretação da lei e da conjuntura política em que se deu a votação.

A tese de que houve um acordo político, ratificada em 2010 pelo julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF), é refutada. “Eu era o 1º vice-líder do MDB e acompanhei tudo.

Nunca houve acordo, mas um conflito permanente entre o governo (Arena) e a oposição.

A diferença foi de quatro votos, quando devia ser mais de cem, a diferença entre as bancadas.

Isso se prova através das atas das sessões e das votações.

Para ter ideia do clima, eles encheram as galerias de recrutas para que o povo não entrasse.

Então, parte ficou na rampa do Congresso.

Aí eles dissolveram com gás lacrimogêneo.

Isso é clima de acordo?”, relembra.

Porém, as duas iniciativas para rever a Lei da Anistia estão paradas.

O recurso impetrado pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) questionando a ratificação da lei pelo STF ainda não foi julgado.

Embora o presidente do Supremo, Joaquim Barbosa, tenha declarado a jornalistas estrangeiros que a legislação em questão poderia ser modificada, a tendência é pela rejeição tão logo entre na pauta.

A outra é o projeto de lei número 573, da deputada Luiza Erundina (PSB-SP), de 2011, que, ao contrário do estabelecido pelo STF, diz que não se pode beneficiar aqueles que cometeram crimes de lesa-humanidade, como tortura e ocultação de cadáver.

A matéria está imóvel há mais de um ano na Comissão de Constituição e Justiça. “A minha posição também é a da Comissão, de que o STF deve alterar a interpretação da Lei da Anistia, dada em 2010. É uma decisão equivocada, fere várias convenções e tratados de direitos humanos internacionais, dos quais o Brasil é parte signatária”, pontua o secretário-geral, Henrique Mariano.

Outro membro da Comissão, Manoel Moraes lembra que pesa contra a Lei de Anistia uma sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos que considerou a atual interpretação uma grave violação dos direitos humanos, na medida em que impede a apuração do desaparecimento forçado de vários guerrilheiros do Araguaia. “Para o direito universal, os crimes de lesa-humanidade, como a tortura, são imprescritíveis. É por isso que temos um confronto entre a legislação nacional e o entendimento da Corte Interamericana”, diz.

Os integrantes defendem que a sociedade está preparada para enfrentar o debate e precisa fazê-lo, como o fizeram a Argentina e o Chile, por exemplo. “As comissões têm confirmado indícios e suposições do que se faziam.

Achamos que a Comissão iria pressionar a sociedade nesse sentido.

Pois alguém é responsável por isso, pelas mortes, torturas.

Seria uma omissão da sociedade brasileira não enfrentar”, coloca a professora Nadja Brayner. “Os fatos são levantados e a sociedade toma conhecimento e vai cobrar o que as pessoas que estão cientes disso cobram.

A injustiça agride a todo mundo”, diz Fernando Coelho.

O caminho, porém, é mais tortuoso.

Não é do interesse do governo federal, como declarou o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, agir para alterar a Lei da Anistia. “Naturalmente os pensamentos reacionários têm colocado esforços no sentido de desfigurá-la.

Há uma tendência até mesmo do próprio governo e do Poder Judiciário nesse sentido, entendendo que subversivo se equipara a torturador e sanguinário”, critica o advogado José Áureo Bradley. À luz do direito, o advogado pernambucano José Paulo Cavalcanti, membro da Comissão Nacional da Verdade, é uma das poucas vozes que se opõem à revisão. “O STF já reconheceu o ‘caráter bilateral da anistia, ampla e geral’.

Decorrente da especial natureza do processo de transição brasileira, substancialmente diverso do que se deu em países vizinhos.

Uma transição negociada, na direção de uma democracia estável.

Com olhos no futuro, pois.

Assim seja”, defende, em artigo.