Por Francisco Daudt, na Folha de São Paulo desta terça-feira Ninguém poria em seu carrinho de compras o destino de ser gay, com a gôndola hétero ao lado.

Um taxonomista é sempre um obsessivo.

Sua profissão consiste em classificar por grupos (geralmente seres vivos), separando-os por minúsculos detalhes.

Alfred Kinsey era um taxonomista que classificava vespas na Universidade de Indiana, EUA.

Aplicou mais tarde sua perícia no estudo da sexualidade humana, do que resultou a “Escala Kinsey” de orientações sexuais masculinas, com seis tipos assim definidos: 0. heterossexual exclusivo; 1. hétero ocasionalmente homossexual; 2. hétero mais do que ocasionalmente homo; 3. igualmente hétero e homo (“bissexual”); 4. homo mais que ocasionalmente hétero; 5. homo ocasionalmente hétero; 6. exclusivamente homossexual.

Mas esses esclarecimentos servem para pensar o título: “Cura gay”?

Começa que o verbo curar se aplica a doenças, o que não é o caso.

Nascer com algo de gay (de 1 a 6) - e tudo indica que venha de berço, hereditário ou da gestação, apesar de a hipótese genética ser a mais cotada entre os cientistas - definitivamente não é nascer com alguma doença.

Por outro lado, assisti a um programa de TV supostamente sobre sexualidade, com uma seção sobre gays.

A apresentadora, eufórica, abria o tema: “A diferença é linda, é saúde, é amor, é ótima (“Agora em sabor limão?”)”.

Ora, tenha a santa paciência.

Se há uma boa razão para a homossexualidade não ser uma escolha, uma opção, e sim um destino, é o fato de que a presença de atração gay na mente é perturbadora para a maioria dos homens.

Pode ser sofrida, e, mesmo não sendo doença, pode ser causadora de doença psíquica, desde a neurose obsessiva até a depressão e a paranoia.

Como o foi, outrora, o fato de se nascer canhoto (não faz muito tempo que eles tinham a mão esquerda amarrada para “se curarem”).

Ninguém, em sã consciência, entraria no supermercado das orientações sexuais e, animadíssimo, poria em seu carrinho de compras o destino de ser gay, com a gôndola de ser hétero ao lado. É muito mais fácil ser hétero.

A escala Kinsey possibilita algumas afirmações ESTATÍSTICAS: a) Nenhum tipo zero será perseguidor de gay, pois, para esses, a homossexualidade nem é um assunto.

Os homofóbicos estão trazendo para fora uma luta de dentro de suas cabeças: “Gay são os outros”; b) Apenas os tipos 6 saem do armário sem maiores problemas, pois não concebem outro tipo de vida; c) Os americanos são extremados, sua militância não reconhece meio-termo.

Um rapaz de tipo 1 a 3 pode ser pressionado a “viver sua verdade”, a se rotular gay, como se as mulheres lhe fossem indiferentes, e ele não pudesse ser feliz casando com uma e tendo filhos. “Cura gay” suporia erradicar o desejo homo de quem não é tipo zero nem 6.

Ilusão.

Eles até se casam com mulher, gostando, mas, na melhor das hipóteses, o desejo homo estará engatilhado numa prateleira, como algo causador de potenciais problemas.

Parecido com o tesão na cunhada.

Na hipótese pior, será reprimido, causando doença psíquica.

E as mulheres?

Afora os tipos zero e 6, nem Kinsey conseguiu classificá-las.

O miolo passeia…