Por Noelia Brito, advogada e procuradora do Recife O presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Joaquim Barbosa, tem se notabilizado não apenas pela relatoria do processo que condenou políticos e banqueiros, num dos mais rumorosos casos de corrupção já divulgados neste país, o famigerado “Mensalão”, mas também por suas declarações polêmicas sobre fatos da vida pública brasileira.
Na verdade, as declarações de Barbosa nada mais são que retratos do pensamento do brasileiro comum, das falas que ouvimos e até emitimos, corriqueiramente, em nosso dia a dia, mas que saídas da boca de um Ministro e, ainda por cima, presidente da mais Alta Corte de Justiça, acabam por ganhar uma conotação e uma repercussão indesejadas para os respectivos alvos de suas assertivas.
O mais recente de seus petardos foi lançado contra a política partidária tupiniquim.
Segundo Joaquim Barbosa, os partidos político no Brasil são “de mentirinha”.
A declaração do Ministro Joaquim Barbosa foi uma resposta ao questionamento de um estudante sobre as possíveis ingerências do Poder Judiciário nos atos do Poder Legislativo.
Certamente, o aluno tinha se referia aos recentes embates travados entre Executivo-Legislativo que foram judicializados, de parte a parte, envolvendo o processo legislativo dos projetos que versam sobre a partilha dos royalties do petróleo, sobre a criação de novos partidos políticos e, mais recentemente, a MP dos Portos, apenas para citar alguns.
A resposta de Barbosa foi a seguinte: “Nós temos partidos de mentirinha.
Nós não nos identificamos com os partidos que nos representam no Congresso, a não ser em casos excepcionais.
Eu diria que o grosso dos brasileiros não vê consistência ideológica e programática em nenhum dos partidos.
E nem pouco seus partidos e os seus líderes partidários têm interesse em ter consistência programática ou ideológica.
Querem o poder pelo poder.” Barbosa ainda complementou dizendo que o Parlamento perdeu sua capacidade de legislar em razão de sua submissão ao Executivo.
O presidente do Supremo até que deu um certo norte à questão, porém, por limitações óbvias, não desceu às profundezas, até porque, como juiz, talvez tenha de vir a fazê-lo algum dia.
A bem da verdade, o que tira a capacidade de legislar do Congresso não é uma suposta submissão daquele ao Executivo.
Entre ambos o que existe é muito mais uma simbiose quase patológica do que qualquer outra coisa.
O que assistimos todos os anos é o engessamento de um Poder pelo outro mediante “chantagens” a que os doutores da ciência de Maquiavel chamam de “saber fazer política”.
Assim, aprovado o Orçamento para determinado ano, o governo segura as emendas que liberam recursos para os redutos eleitorais dos parlamentares - hoje se chama assim, reduto, antigamente, o nome que se dava era “curral” mesmo -, sabendo que futuramente precisará administrar os conflitos entre os interesses dos financiadores das campanhas de parlamentares do chamado alto clero e dos partidos políticos com os interesses de seus próprios patrocinadores.
Então, quando chega o momento da votação desses projetos, o governo vai liberando as tais emendas parlamentares do chamado baixo clero e vai angariando os votos que precisa para seus projetos, que, por sua vez, muitas vezes e na maioria delas, também não representam o interesse público, o interesse do povo, mas das empresas que patrocinaram as campanhas eleitorais de uns e de outros.
Vejamos, por exemplo, o caso da MP dos Portos, que o deputado Anthony Garotinho, do PR, apelidou de “CPI dos Porcos”, insinuando que haveria corrupção de parlamentares por grupos empresariais interessados na rejeição da Medida Provisória, que acabou aprovada nos últimos minutos do segundo tempo, após exaustivas negociações que envolveram, em especial, promessas de liberação das tão faladas “emendas parlamentares” e que o governo afirmou ter sido mera coincidência, uma coincidência de R$ 1 bilhão, diga-se de passagem.
Segundo se noticiou amplamente, os interesses em disputa na MP dos Portos nada tinham de públicos e muito menos republicanos, acaso confirmadas tantas e tantas e mais tantas denúncias.
A guerra que se travou nos bastidores, aparentemente protagonizada por agentes públicos, na verdade, escondia interesses privados.
De um lado, os operadores com concessões em portos públicos e do outro, grandes empresas que quereriam entrar ou expandir seus tentáculos no negócio.
De uma banda, portanto, estariam os interesses do grupo Santos Brasil, do empresário Daniel Dantas e da Libra Terminais e, da outra, estariam grupos como o do empresário Eike Batista e a Odebrecht.
O problema, portanto, nada tinha de político, era comércio puro, disputa de mercado, concorrencial.
Com a aprovação da MP dos Portos, os portos privados passariam a poder transportar além das cargas próprias, cargas de terceiros, passando a concorrer com os concessionários de portos públicos mistos que têm custos mais altos, inclusive de mão de obra.
Assim, o que se percebe é que a privatização dos portos não era, como se tentou fazer crer, o cerne da questão, pois não se tratava de nenhuma novidade trazida pela MP 595, mas um modelo já implantado desde 1993, pela Lei dos Portos, que já permitia a exploração dos portos públicos pela iniciativa privada, mediante concessão.
Para se ter uma ideia, o Porto de Santos, o maior do país, um porto público, está 80% nas mãos da Santos Brasil, do banqueiro Daniel Dantas e do grupo Libra.
Sozinho, o Porto de Santos movimenta 33% de todos os “conteiners” que circulam no Brasil.
E o que é que as declarações de Joaquim Barbosa têm a ver com isso?
Perguntar-me-ão a essa altura do texto.
Têm muito a ver, principalmente quando observamos as íntimas relações entre os partidos políticos que se digladiaram na batalha pela aprovação ou não da MP dos Portos e as empresas que exploram esses mesmos Portos ou que pretendem explorá-los.
Segundo reportagem publicada, hoje, na Folha de São Paulo, considerando-se somente as duas últimas eleições, nada menos que R$ 121,5 milhões foram doados por empresas que atuam na exploração da atividade portuária, para os partidos envolvidos com a defesa de seus interesses, durante a votação da MP dos Portos.
Conforme já dito anteriormente, a favor da MP, porque queriam entrar ou expandir seus negócios no setor, estavam nomes como Odebrecht e Eike Batista.
Contra a MP dos Portos, temerosas de perder espaço, leia-se dinheiro, estavam Santos Brasil e Libra Holding.
Segundo a Folha de São Paulo, o lobby no Congresso foi operado pela ABTP, dos terminais portuários e pela Abratec, dos terminais de contêineres, por intermédio de seus respectivos presidentes, Wilen Manteli (ABTP) e Sérgio Salomão (ABRATEC), além de Richard Klien, representando o Opportunity, dono da Santos Brasil, leia-se, Daniel Dantas.
Klein e seus familiares, segundo levantamentos da Folha de São Paulo, doaram R$ 3,6 milhões, para partidos políticos nas duas últimas eleições, sendo que desse valor, a metade foi toda destinada ao PMDB, partido liderado na Câmara por Eduardo Cunha, o grande entrave encontrado pelo governo para aprovação da MP dos Portos, mesmo sendo o maior partido de sua base de sustentação.
Klein teria ligações históricas com o clã Sarney.
O banco Opportunity e a Agropecuária Santa Bárbara, ambos de Dantas também doaram para o PT de Dilma.
Aliás, nada menos que 97,4% dos R$ 3,9 milhões doados nas últimas eleições por ambos foi para a Direção Nacional do PT.
Entretanto, nada se compara ao valor doado pela Odebrecht para esses Partidos: R$ 66 milhões!
Para o PT, da presidenta Dilma, mentora da MP dos Portos, que flexibilixa a forma de privatizá-los, por tornar as licitações desnecessárias, a Odebrecht destinou 36% do total.
Para o PSDB de Aécio Neves, que espertamente se retirou do Plenário do Senado para não votar contra a MP, que tanto interessava à Odebrecht, esta destinou 28,5% e para o PMDB, 22%.
Já a Libra Holdings, contrária a aprovação da MP por explorar, como concessionária, portos públicos e que já havia anunciado a intenção de investir em SUAPE, destinou nada menos que 57,5%, de todas as suas doações durante os dois últimos processos eleitorais para o PSB, partido do ministro Leônidas Cristino, da Secretaria Especial de Portos e do governador de Pernambuco, Eduardo Campos.
Então, a crise de representação por que passam não só o Parlamento, mas, de modo especial, os Partidos Políticos tem muito mais a ver com os interesses que realmente estão representados por esses Partidos e pelos parlamentares por eles eleitos, do que propriamente por uma suposta submissão do Poder “A” ao Poder “B”.
Se observarmos com olhos de lince todos os Poderes da República, inclusive o próprio Judiciário, perceberemos que todos, sem distinção, estão hoje de joelhos, submissos e subordinados, ao poder do Capital e nada é decidido, neste País, sem que esse “poder” dê as cartas.
Como já disse certa feita, mesmo quando travestidos de públicos os interesses que esses senhores defendem são o que são: interesses privados, porque privados são os interesses de quem os patrocina.
De fato, nesse ponto Joaquim Barbosa tem toda a razão, eles não nos representam.